Tal como surgiu, de repente, clareando os dias, o Sol escondeu-se atrás do cinzento plúmbeo das nuvens e devolveu ao Sado o castanho lodoso das margens plácidas. Voltamos a ficar à sua espera para que estes dias de cárcere não sejam tão ‘disiludentes’ e tão amargos. Como dizia o Baptista Bastos, em O Cavalo a Tinta-da-China – “O homem português é um homem com as mãos enfiadas nos bolsos das calças à espera na paragem dos carros elétricos que a História se lembre de parar um pouco”.
Estamos, portanto, todos à espera, ou na paragem dos elétricos ou na paragem dos autocarros. Em Alcácer não podemos esperar na estação dos comboios porque algum senhor iluminado pela divina sabedoria dos asnos resolveu que Alcácer não precisava de comboios. Por isso, a estação está lá, branca e azul, como as velhas estações de caminhos de ferro que se espalhavam por todo o país, só que esta está à venda, também ela à espera que venha aí um mundo novo, desinfetado, no qual a sua existência volte a ter sentido.
Com as mãos enfiadas nos bolsos vejo o Sado correr de um lado por outro, de seis em seis horas, pela ordem matemática das marés. Oliveiras ao longe, tão cinzentas como o céu, um vulto aqui e ali, e eu à espera, todos nós à espera, resta-nos pouco mais do que esperar, do que ficarmos encerrados na solidão de cada um de nós, solidão das solidões porque não pode ser repartida e apenas se multiplica como um cancro.
O cansaço tomou conta até da rebeldia. Cada vez são menos os que tiram as mãos dos bolsos e dizem não. Desobedecer passou de moda, mais por tédio do que por vontade. Todos enfiámos as mãos nos bolsos e limitamo-nos a ver passar as nuvens como se elas fossem uma espécie de ponteiros do relógio do tempo. Estamos mais parados como nunca. Somos o exemplo maior da desistência. Ou, como dizia O’Neill, entre uma refeição e a outra, pensamos na próxima.