“O Governo e os seus defensores têm falado muito da bazuca, como se ela fosse o milagre que irá resolver todos os problemas do país, não só os causados pela pandemia, mas também o seu atraso crónico”. O alerta é dado por Eugénio Rosa, que acrescenta que “é importante pôr os pés na realidade e não criar falsas expetativas”.
Na opinião do economista, o investimento produtivo é um fator-chave para criar emprego qualificado com elevada produtividade e também para uma economia tecnologicamente avançada e altamente competitiva. “Sem isso, o desenvolvimento do país só pode basear-se em setores de baixa intensidade tecnológica, com baixos salários e baixa produtividade, de que é exemplo o turismo. Sem investimento, a economia portuguesa será sempre frágil, dependente e vulnerável ao exterior. E não vale a pena fazer discursos oficiais de que ‘somos os melhores do mundo’, como se tenta enganar os portugueses e esconder a realidade”, diz o estudo a que o i teve acesso.
A questão ganha maiores contornos quando o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) – que está desde ontem em consulta pública – prevê a realização de 36 reformas e 77 investimentos nas áreas sociais, clima e digitalização, num total de 13,9 mil milhões de euros em subvenções.
O Executivo justifica que, “com base no diagnóstico de necessidades e dos desafios”, foram definidas três “dimensões estruturantes” de aposta – a resiliência, a transição climática e a transição digital”. Entre as novidades está a opção do Governo português de recorrer menos aos empréstimos, um projeto transfronteiriço com Espanha para criar uma indústria à volta do lítio e das baterias (ver pág. 10) e os objetivos de dar 100 mil cheques a famílias carenciadas para combater a pobreza energética e de adquirir 260 mil computadores para as escolas.
Também ao nível da habitação está previsto investir 1,6 mil milhões de euros, destacando o objetivo de apoiar 26 mil famílias até 2026. O investimento previsto permite a reabilitação de 75% do património inscrito no inventário do património imobiliário do Estado com aptidão para uso habitacional, orientado para a criação de um parque habitacional público a preços acessíveis, e salvaguardar o investimento na promoção de rendas acessíveis através de programas municipais.
No documento estão também inscritos 2,7 mil milhões de euros em empréstimos. A maior fatia (61%) das verbas do PRR destina-se à área da resiliência, num total de 8,5 mil milhões de euros em subvenções e de 2,4 mil milhões de euros em empréstimos. Além disso, existe a hipótese de recorrer a 2,7 mil milhões de euros em empréstimos europeus para investimentos em habitação acessível, capitalização de empresas e transportes.
Recorde-se que, dotado de 672,5 mil milhões de euros em subvenções e empréstimos, o Mecanismo de Recuperação e Resiliência é o principal elemento do pacote de recuperação acordado em 2020 pela UE para fazer face à crise social e económica provocada pela pandemia de covid-19, o NextGenerationEU, com uma dotação total de 750 mil milhões de euros, entre subvenções e empréstimos.
Controlo
De acordo com o economista, não considerando as verbas do próximo quadro comunitário que Portugal irá receber (2021/2017), a bazuca reduz-se a cerca de 30 mil milhões, dos quais 15 mil milhões são empréstimos. “Como o Governo já disse que não vai pedir mais empréstimos para não aumentar ainda mais a já enorme dívida pública (267 083 milhões em novembro, segundo o Banco de Portugal), ficam cerca de 15 mil milhões, dos quais 12,9 mil milhões a fundo perdido. Mas ninguém pense que Portugal receberá este dinheiro e poderá distribuí-lo como entender. Ele está associado a severas condições de controlo por parte da Comissão Europeia e também pelos outros países no Conselho Europeu. E a nível de utilização e execução dos fundos comunitários, Portugal tem revelado incapacidade de execução atempada, como provam os dados de execução do Portugal 2020 (período 2014/2020)”, refere no mesmo estudo.
Eugénio Rosa lembra ainda que, como indicam os dados oficiais da monitorização do Portugal 2020, que é o Quadro Plurianual 2014/2020 financiado pela União Europeia, dos 25 185 milhões de fundos comunitários atribuídos a Portugal, no fim de 2020 apenas estava executado um valor correspondente a 58,2%, estando ainda por executar 10 515 milhões”.
E as críticas não ficam por aqui. “Interessa recordar mais uma vez que os 25 185 milhões de fundos europeus atribuídos a Portugal pela UE no quadro plurianual 2014/2020 – o chamado “Portugal 2020” – não resolveram os graves problemas de falta de investimento de que o país necessitava para se modernizar”, diz o economista, referindo ainda que “o crescimento económico nos últimos anos baseou-se em pouco investimento mas mais trabalhadores, mas com menos produtividade, e em baixos salários de setores de baixa tecnologia como é o turismo. A continuar isto, não sairemos do círculo vicioso de atraso em que o país tem vivido. E não serão megaprojetos como o hidrogénio verde e o TGV , etc., que agora estão na moda, à semelhança da febre de autoestradas e estádios de futebol no passado, que farão sair o país do estado de atraso em que se encontra”, salienta.