Alcácer do Sal e do Sol


É na infância que o sonho de voar, de voar mesmo, com estes braços que um deus qualquer nos deu como se fossem asas por acabar, se esfuma devagar como a última pequena nuvem de toda esta manhã azul-suave. Bolas de sabão. Como sonhos. 


Na beira da estrada que liga a comporta a Alcácer, cada poste de eletricidade tem um ninho de cegonha. Agora que a chuva parou, perderam o seu ar infeliz e encharcado de candidatas a taxidermistas para recuperarem a altivez de um juiz conselheiro. Desde o tempo em que tinham o monopólio de trazer criancinhas recém-nascidas de Paris, tornaram-se pássaros mais sedentários, afeiçoadas ao seu espaço montado com ramos secos das árvores das redondezas. De tempos a tempos voam em bandos elegantes de asas largas e pescoços compridos. Voarão para onde se, durante todo o ano, aqui as vejo, firmes no seu posto, chova torrencialmente ou faça sol como agora que o vento empurrou as nuvens embirrentas para lá dos horizontes e Alcácer do Sal passou a ser também Alcácer do Sol?

Gosto de ficar a encontrar diferenças no voo das aves. É como encontrar diferenças na personalidade das pessoas. Paulo Rodarte, professor e escritor brasileiro, tinha dentro de si a perfeição do voo do urubu. E escreveu: “Se eu fosse um urubu, não faria caso (do descaso humano) e avoaria sempre, fugindo do descaso de quem torce o nariz aos urubus. Ah! Se não fossem os urubus…” Ah! Se não fossem as cegonhas, agora dispensadas de distribuir meninos e meninas de casa em casa… Vejo-as erguendo-se no ar com a maçã de Adão bem vincada a meio do pescoço, as pontas das asas de penas pretas, e recordo-me da lengalenga de criança: “Lembrança quanta lembrança/ Dos tempos que já lá vão/ Minha vida de criança/ Minha bolha de sabão…”

É na infância que o sonho de voar, de voar mesmo, com estes braços que um deus qualquer nos deu como se fossem asas por acabar, se esfuma devagar como a última pequena nuvem de toda esta manhã azul-suave. Bolas de sabão. Como sonhos. Fico de pés firmes no chão enquanto as cegonhas, na sua nobreza de rainhas, transportam o que escrevo pelos caminhos da luz do sol…


Alcácer do Sal e do Sol


É na infância que o sonho de voar, de voar mesmo, com estes braços que um deus qualquer nos deu como se fossem asas por acabar, se esfuma devagar como a última pequena nuvem de toda esta manhã azul-suave. Bolas de sabão. Como sonhos. 


Na beira da estrada que liga a comporta a Alcácer, cada poste de eletricidade tem um ninho de cegonha. Agora que a chuva parou, perderam o seu ar infeliz e encharcado de candidatas a taxidermistas para recuperarem a altivez de um juiz conselheiro. Desde o tempo em que tinham o monopólio de trazer criancinhas recém-nascidas de Paris, tornaram-se pássaros mais sedentários, afeiçoadas ao seu espaço montado com ramos secos das árvores das redondezas. De tempos a tempos voam em bandos elegantes de asas largas e pescoços compridos. Voarão para onde se, durante todo o ano, aqui as vejo, firmes no seu posto, chova torrencialmente ou faça sol como agora que o vento empurrou as nuvens embirrentas para lá dos horizontes e Alcácer do Sal passou a ser também Alcácer do Sol?

Gosto de ficar a encontrar diferenças no voo das aves. É como encontrar diferenças na personalidade das pessoas. Paulo Rodarte, professor e escritor brasileiro, tinha dentro de si a perfeição do voo do urubu. E escreveu: “Se eu fosse um urubu, não faria caso (do descaso humano) e avoaria sempre, fugindo do descaso de quem torce o nariz aos urubus. Ah! Se não fossem os urubus…” Ah! Se não fossem as cegonhas, agora dispensadas de distribuir meninos e meninas de casa em casa… Vejo-as erguendo-se no ar com a maçã de Adão bem vincada a meio do pescoço, as pontas das asas de penas pretas, e recordo-me da lengalenga de criança: “Lembrança quanta lembrança/ Dos tempos que já lá vão/ Minha vida de criança/ Minha bolha de sabão…”

É na infância que o sonho de voar, de voar mesmo, com estes braços que um deus qualquer nos deu como se fossem asas por acabar, se esfuma devagar como a última pequena nuvem de toda esta manhã azul-suave. Bolas de sabão. Como sonhos. Fico de pés firmes no chão enquanto as cegonhas, na sua nobreza de rainhas, transportam o que escrevo pelos caminhos da luz do sol…