Nos Açores, em resultado das eleições regionais, emergiu uma coligação bota-a-abaixo similar à criada em 2015 por António Costa para impedir de governar quem foi mais votado, que com o impulso populista do Chega, está a fazer em muitos aspetos, o contrário do que tinham enunciado na campanha eleitoral para enganar eleitor. Tenho pelos Açores, pela terra e pelas suas gentes, uma profunda admiração forjada na realização de várias campanhas eleitorais. Para quem não conhece não é um território de fácil compreensão, porque há vivências, problemas e circunstâncias em que é importante ter a noção da exigência da dispersão por 9 ilhas, pelas de identidade, diversidade e resiliência. Nunca percebi por que razão, os Açores não se posicionam melhor a sua especificidade e as potencialidades no todo nacional, fomentando um maior conhecimento dos portugueses dessa realidade e colocando-se em melhor posição pública e mediática para defender e “vender” os Açores. Por estes dias, de governação do PSD, em coligação com o CDS e o PPM, e com acordo parlamentar com o Iniciativa Liberal e o Chega, de “olha para o que eu faço e não para o que eu disse”, assiste-se a uma efusiva dança de cadeiras, à paralisia de início de mandato e à falta de consistência de uma solução governativa que, bebendo à doutrina instalada na República, dá sinais de abdicar do acervo autonómico como ele era entendido. Ver o líder do Chega fazer dos Açores laboratório de ensaio e abordar a realidade política regional como uma projeção dos estados de alma da República é a sanção maior para os Autonomistas que não fizeram tudo para salvaguardar as margens de liberdade e de governo próprio que sempre invocaram. A solidez e persistência da solução implicará danos irreparáveis no conceito de Autonomia que vigorou, restando saber como se acomoda no pensamento e nas perceções dos eleitores, que votaram e pelo voto, abriram as portas a esse tipo de soluções. Os Açores estão a servir de testes e estão à prova. Vasco Cordeiro esteve contra a abertura do precedente de 2015, Carlos César validou-o como presidente do PS, os Açores pagam agora uma das faturas da solução governativa, num momento em que parceiros de aventura (BE) se comportam como nunca tivessem tido nada com isso. E o PS nacional que deveria evidenciar política e mediaticamente a realidade da atual governação regional, mantém-se com o quadro de atitude dos últimos anos: tudo é acessório, só a manutenção do poder central conta.
No plano das latitudes e longitudes gerais, uma vez mais, o confinamento, a bomba atómica do combate à pandemia, está a produzir os efeitos pretendidos de achatamento do surto, dos internamentos e das fatalidades, bastando um raio de sol nos resultados para se falar de imediato em regresso a dinâmicas anteriores. O cansaço é muito, mas as contradições e os disparates conseguem ser em monta superior, em nada contribuindo para o quadro mental geral.
É espantoso como a mudança de uma peça, por si só, sem alterar a realidade consegue produzir efeitos de achamento da pressão popular e mediática. Na equipa de gestão do plano de vacinação, saiu um civil, assumiu um militar, é o que baste que se percecione que a realidade concreta, da falta de vacinas, de organização, de assertividade da comunicação e de senso, foi superada, mas não foi.
Enquanto prosseguem os números mediáticos de Pirro em volta da vacinação com as doses que existem, menos, muito menos do que era expectável e estava planeado, prosseguem vários disparates na condução do ataque à pandemia:
– sabe-se pelo estrangeiro de apoios de países à resposta médica em território nacional;
– membros do governo, certamente preocupados com a devastação da imagem internacional do país, desmultiplicam-se em entrevistas em que assumem mais lá fora do que o governo assume em Portugal e junto dos portugueses;
– a diretora geral da saúde fala em capacidade de administração de 100 mil vacinas por dia quando há um evidente existir um problema de entrega de doses pelas farmacêuticas com impactos relevantes no plano nacional de vacinação, com deslizamento do calendário rumo ao fim do ano;
– há mais de três semanas que Alemanha, França e Áustria tornam obrigatório o uso de máscaras FFP2 para usar nos locais públicos, em Portugal, com as estirpes mais agressivas presentes entre a população, estuda-se a possibilidade;
– o “marialvismo” de uns espécimes proprietários de um estabelecimento comercial de restauração em não respeitar regras definidas por um Estado de Direito Democrático, num cenário de confinamento geral, de mortes e de insustentabilidade da resposta do Serviço Nacional de Saúde, é um ultraje, que deveria ser punido sem contemplações. Vão gozar com outros e para outra longitude!
– segundo o Banco Central Europeu, Portugal é o terceiro país da zona euro que menos gasta no combate à crise provocada pela pandemia de covid-19. Alguém deveria explicar o sentido disto!
A pandemia comprovou a existência de um amplo caderno de encargos cívicos e comunitários em rota para o meio século de Democracia. Antes de excentricidades, Portugal precisa de ser um país de coisas simples, inteligíveis, estimulantes, com sentido de justiça, equidade, solidariedade e coesão, em que se fale verdade e respeite a diferença. Será pedir demais?
NOTAS FINAIS
FALTA DE SENSO. Boa parte dos chamados independentes em autárquicas são ex-militantes dos partidos, que tiveram as ambições pessoais não correspondidas. Daí a querer introduzir entropias nos processos das candidaturas é um disparate similar ao combate aos populismos. É querer ir às consequências em vez de atacar as causas.
FALTA DE TUDO. Portugal é dos últimos na 5G. O Governo entregou à ANACOM a gestão do processo. Despertou para a vida agora, depois da incompetência do regulador, e descobriu que para ter 5G era bom que boa parte do país tivesse antes 4G.
Escreve à segunda-feira