A loja… o pifarinho e o mestre


Porque o trabalho pode aprisionar, talvez esteja na hora de redescobrirmos de que forma ele nos pode libertar.


Esta semana dei por mim a cantarolar “Ai olé ai olé, foi na loja do mestre André…”. Tratando-se de uma música popular de longa tradição, temo-la escutado ao longo do tempo e continuamos a cantá-la zelosa e alegremente aos nossos pequenos aprendizes, mesmo que, por princípio, ela não ensine nada de extraordinário. Estou a falar-vos de uma música que me remete para a infância, para os meus tempos de menino, quando todas as crianças que conhecia eram amigas.

Conforme crescemos e amadurecemos, vamos interiorizando a realidade – temos poucos amigos. Durante a infância, o amigo é o que brinca connosco, aquele que não distinguimos do simples conhecido. Depois passa a ser aquele que recebemos em nossa casa e connosco pernoita. Já na adolescência, é com o amigo que partilhamos as nossas ideias, problemas, preocupações; a ele nos expomos, é ele que nos conhece os pontos fortes e os pontos fracos.

Recordo a tarde em que o meu amigo João aceitou o desafio de, comigo, procurar a loja do Mestre André. Nunca a encontrámos. A Loja do Mestre André – comparada com outras músicas que passam ideias ou valores – pode, numa abordagem desprevenida, parecer uma música vazia de conteúdo. Certo é que é divertida, ritmada e apresenta os diferentes instrumentos musicais… Quando imagino esta loja, vejo um senhor de idade avançada, velhas prateleiras carregadas de instrumentos e crianças que aqui e ali experimentam o som de cada um deles.

E quando o mestre fecha a loja? O som que lhe conferia ritmos de alegria dá lugar a um silêncio sepulcral. O Mestre André, outrora atarefado, resguarda-se do público; de portas fechadas, arruma a casa, cuida da loja e faz contas à vida. O trabalho não para… O mestre prepara novos materiais, inspira-se para novos projetos, encontra respostas para os problemas do passado. Quem tem uma loja tem um dever: estar ao serviço do próximo.

Agora, com as lojas fechadas ou vazias, pergunto-me por onde andará o Mestre André. Pergunto se voltará a abrir o seu espaço, se as crianças poderão voltar a experimentar os seus instrumentos e se os seus trabalhos voltaram a ter lugar.

Aos mestres dos diferentes ofícios, uma palavra de apreço e de saudade. A sociedade tem-se desenvolvido desde sempre em torno das feiras, das trocas comerciais e do fruto do trabalho de cada um. Porém, a meu ver, a vida não foi feita para nos sujeitarmos ao trabalho e, se assim é, não me parece certo. Feliz aquele que não vive só para trabalhar, mas se sente vivo enquanto trabalha. Feliz aquele cujo trabalho tem resultados que espelham a sua vida. Porque o trabalho pode aprisionar, talvez esteja na hora de redescobrirmos de que forma ele nos pode libertar. Felizes os que pela obra se libertam da morte.

 

P.S. – Um dia, alguém pediu a um mestre um conselho sobre qual a melhor área de investimento. O mestre respondeu: “Ser um bom ser humano: há muitas oportunidades nessa área e pouca concorrência”.

 

Professor e investigador


A loja… o pifarinho e o mestre


Porque o trabalho pode aprisionar, talvez esteja na hora de redescobrirmos de que forma ele nos pode libertar.


Esta semana dei por mim a cantarolar “Ai olé ai olé, foi na loja do mestre André…”. Tratando-se de uma música popular de longa tradição, temo-la escutado ao longo do tempo e continuamos a cantá-la zelosa e alegremente aos nossos pequenos aprendizes, mesmo que, por princípio, ela não ensine nada de extraordinário. Estou a falar-vos de uma música que me remete para a infância, para os meus tempos de menino, quando todas as crianças que conhecia eram amigas.

Conforme crescemos e amadurecemos, vamos interiorizando a realidade – temos poucos amigos. Durante a infância, o amigo é o que brinca connosco, aquele que não distinguimos do simples conhecido. Depois passa a ser aquele que recebemos em nossa casa e connosco pernoita. Já na adolescência, é com o amigo que partilhamos as nossas ideias, problemas, preocupações; a ele nos expomos, é ele que nos conhece os pontos fortes e os pontos fracos.

Recordo a tarde em que o meu amigo João aceitou o desafio de, comigo, procurar a loja do Mestre André. Nunca a encontrámos. A Loja do Mestre André – comparada com outras músicas que passam ideias ou valores – pode, numa abordagem desprevenida, parecer uma música vazia de conteúdo. Certo é que é divertida, ritmada e apresenta os diferentes instrumentos musicais… Quando imagino esta loja, vejo um senhor de idade avançada, velhas prateleiras carregadas de instrumentos e crianças que aqui e ali experimentam o som de cada um deles.

E quando o mestre fecha a loja? O som que lhe conferia ritmos de alegria dá lugar a um silêncio sepulcral. O Mestre André, outrora atarefado, resguarda-se do público; de portas fechadas, arruma a casa, cuida da loja e faz contas à vida. O trabalho não para… O mestre prepara novos materiais, inspira-se para novos projetos, encontra respostas para os problemas do passado. Quem tem uma loja tem um dever: estar ao serviço do próximo.

Agora, com as lojas fechadas ou vazias, pergunto-me por onde andará o Mestre André. Pergunto se voltará a abrir o seu espaço, se as crianças poderão voltar a experimentar os seus instrumentos e se os seus trabalhos voltaram a ter lugar.

Aos mestres dos diferentes ofícios, uma palavra de apreço e de saudade. A sociedade tem-se desenvolvido desde sempre em torno das feiras, das trocas comerciais e do fruto do trabalho de cada um. Porém, a meu ver, a vida não foi feita para nos sujeitarmos ao trabalho e, se assim é, não me parece certo. Feliz aquele que não vive só para trabalhar, mas se sente vivo enquanto trabalha. Feliz aquele cujo trabalho tem resultados que espelham a sua vida. Porque o trabalho pode aprisionar, talvez esteja na hora de redescobrirmos de que forma ele nos pode libertar. Felizes os que pela obra se libertam da morte.

 

P.S. – Um dia, alguém pediu a um mestre um conselho sobre qual a melhor área de investimento. O mestre respondeu: “Ser um bom ser humano: há muitas oportunidades nessa área e pouca concorrência”.

 

Professor e investigador