A União Europeia (UE) definiu uma estratégia de vacinação solidária e articulada contra a covid-19. Apoiou desde o início empresas e centros de conhecimento para acelerar de forma nunca antes vista o desenvolvimento de vacinas e a sua produção e distribuição. Para reduzir o risco e impulsionar a investigação massiva, mobilizou 2,7 mil milhões de euros para proporcionar adiantamentos aos produtores por conta de futuras compras, diminuindo assim as barreiras ao investimento.
Foi rigorosa no sistema de licenciamento para garantir a segurança das pessoas vacinadas, tendo em conta os diferentes quadros etários e clínicos dos beneficiários, e assegurou o compromisso de responsabilidade das empresas farmacêuticas com os resultados. Foi fiel aos seus valores e princípios, com tudo o que isso tem de louvável e também criticável, sobretudo pelos detratores do projeto europeu.
Não pretendo neste texto, sobre uma temática em que não sou especialista, abordar as questões específicas relacionadas com os relatos de falhas na aplicação de alguns planos nacionais, de abusos inaceitáveis na sua interpretação ou de comportamentos egoístas ou potencialmente ilegais que quem de direito avaliará e julgará. O meu objetivo é realçar o mérito da estratégia europeia de vacinação, sem esquecer as suas sombras.
Algumas potências concorrentes foram mais rápidas na produção em massa de vacinas. A China e a Rússia são disso exemplo. A que preço? O escrutínio democrático da transparência técnica, científica e operacional não pode servir de desculpa aos atrasos europeus mas, tal como a vacina, também é um “bem público” de valor inestimável.
O Reino Unido, agora fora do perímetro da resposta conjunta, avançou mais depressa. Contudo, se alguma correr mal, a responsabilidade não será dos produtores, e sim do Estado e dos cidadãos. Fazer adiantamentos e garantir compras em caso de desenvolvimento bem-sucedido é uma coisa, tomar para os cidadãos a responsabilidade técnica e científica das empresas é outra, ultrapassando uma linha vermelha na defesa do interesse público.
Vale a pena recordar alguns dos critérios da UE para apoiar os produtores de vacinas. Solidez científica e tecnológica. Rapidez e capacidade de entrega. Partilha dos riscos e cobertura da responsabilidade. Produção na UE e compromisso para disponibilizar doses futuras para países terceiros mais vulneráveis. Colaboração precoce com os reguladores, designadamente com a Agência Europeia do Medicamento (EMA).
Há quem ponha em causa em causa a robustez dos contratos feitos. Que algumas coisas não correram como planeado é evidente. Mas algum de nós estaria disposto a prescindir das regras contratuais que enunciei? Qual seria o escrutínio democrático da sua ausência? O contributo europeu para a COVAX (mecanismo para generalizar o acesso às vacinas no mundo em condições equitativas), ainda que insuficiente, tem sido o mais relevante. Por razões humanitárias, de controlo global do vírus e de contenção do aproveitamento de outras potências com menos escrúpulos, poderia a União agir de outra forma? A UE vista no espelho da vacinação tem de melhorar a capacidade de resposta sem ceder nos valores. Não é fácil, mas tem de ser possível.
Eurodeputado do PS