Crianças sinalizadas e horários demasiado longos para quem tem entre três e cinco anos de idade: à semelhança do que acontece com os mais velhos, o ensino pré-escolar também tem sido alvo de críticas por parte dos encarregados de educação. Segundo o i conseguiu apurar, há escolas públicas que estão a enviar emails aos pais a informar que “deve ser marcada falta” às crianças que não compareçam às atividades e, caso não se apresentem nem realizem as tarefas – síncronas e assíncronas –, “devem ser sinalizadas às Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), tal como acontece no ensino básico e secundário. Ao i, Nuno Gonçalves, pai de três filhos – dois deles em idade pré-escolar –, vive atualmente um desses exemplos, garantindo que, no caso do filho mais velho, a direção do agrupamento escolar falou com os pais sobre a sinalização das crianças que faltem às atividades, contrariando o facto de, segundo a legislação, “o ensino pré-escolar ser facultativo”.
“Estamos a falar de crianças dos três aos cinco anos. Os pais são postos como tolinhos e que não têm capacidade para cuidar das crianças. A última coisa que estas crianças precisam é de ficar todos os dias em frente ao computador. E todos sabemos a capacidade de concentração que uma criança de educação pré-escolar tem. Os meus dois filhos que estão em pré-escolar não querem, de todo, participar nas aulas. Dizem que estão fartos daquilo e que querem socializar e estar com os outros miúdos”, começou por dizer, exigindo ao Governo mais atenção àquilo que as crianças efetivamente precisam.
“Que venham as CPCJ repreender os encarregados de educação que não aderirem a esta mensagem [da escola]. Desafio-os a fiscalizar também a felicidade das crianças, ao invés do absurdo cumprimento de resoluções constitucionalmente ilegais”, atirou.
“Não faz qualquer sentido” Confrontado pelo i com estes emails enviados aos pais, o presidente da Associação de Profissionais de Educação de Infância, Luís Ribeiro, garantiu não ter conhecimento de casos semelhantes, mas alertou para o facto de estas situações serem “uma loucura”.
“Não faz qualquer sentido haver marcação de faltas nem haver qualquer consequência. E a consequência aí é enormíssima sobre os pais, porque se vão denunciar as crianças às CPCJ é uma coação enormíssima”, referiu, reforçando que não consegue arranjar explicação para o facto de “um diretor de um agrupamento não ter a sensibilidade para perceber que não faz sentido”.
“Não tem qualquer utilidade para as crianças. Muitas vezes é preferível deixar as crianças soltas, com as sessões muito curtas com os educadores, para continuarem a sentir a ligação normal deles, que é a vida de jardim de infância. E depois enviar algumas orientações e recomendações para os pais, para se sentirem integrados também”, explicou.
Ao i, o Ministério da Educação esclareceu que aquilo que deverá ser feito é a sinalização das crianças “apenas quando há casos previamente sinalizados ou suspeita de risco”. “A educação pré-escolar não integra a escolaridade obrigatória. Compete aos encarregados de educação, atendendo a princípios de boa cooperação, articular com os educadores como se dá a interação”, foi reforçado.
Aulas síncronas de três horas Tal como acontece no ensino básico e secundário, há crianças do ensino pré-escolar que também têm um horário de atividades demasiado extenso. Luís Ribeiro vai mais longe e diz ter conhecimento de casos de crianças, entre os três e os cinco anos, que têm aulas síncronas – ou em videoconferência – durante três horas.
“Temos tido conhecimento de situações de agrupamentos que colocam uma carga horária completamente excessiva para crianças em idades pré-escolar. São casos em que são obrigatoriamente três horas síncronas. Isso é outra loucura, porque a capacidade que as crianças têm de concentração numa atividade que não é presencial é reduzidíssima. Estamos a falar de atividades que deveriam demorar 10 ou 15 minutos e nunca três horas. Na primeira fase da pandemia, em abril do ano passado, a recomendação era meia hora por dia. É razoável. Agora passámos de meia hora para três horas”, sublinhou, deixando claro que isto “aplica-se também na escolaridade obrigatória, ao primeiro ou ao segundo ano”.
“Estamos a falar de crianças muito jovens que não podem estar muito tempo em sessões síncronas. Não funciona”, concluiu.
Horários díspares Se por um lado há horários extensos, por outro há também quem peça mais aulas síncronas para não existir tanto desgaste por parte dos pais no acompanhamento escolar aos filhos. Ao i, Patrícia Ferreira, que tem uma filha de sete anos no segundo ano de escolaridade, sublinhou que, na escola que a criança frequenta, são lecionadas apenas 60 minutos de sessões síncronas por semana.
“Com os pais a trabalhar e um irmão de quatro anos, auguram-se semanas demasiado autónomas para o alto dos seus sete anos. Toda a matéria será via telescola e a cereja no topo do bolo é mesmo o facto do trabalho autónomo, que terá de fazer durante a semana, ser corrigido pelos pais à sexta-feira e enviado de forma digital”, contou.