Foi uma surpresa. Inequívoca. Afinal, o Estoril andava pela ii Divisão e fez uma carreira notável até à final da Taça de Portugal de 1943-44. Começou por despachar o Unidos de Lisboa (3-2 e 3-1) e, logo a seguir, o FC Porto de forma flamejante – 3-2 nas Amoreiras e 2-1 na Constituição. Impressionante! Chegados às meias-finais, os canarinhos ainda tinham mais para mostrar. O adversário foi o Vitória de Guimarães e o enxovalho foi grande: 5-0 e 4-1.
Não havia pelas esquinas e cafés de Lisboa quem não discutisse a possibilidade de os estorilistas baterem o Benfica na final marcada para as Salésias. Uns até apostavam no resultado e raros eram os que punham dinheiro no Estoril. Afinal, algum dia teria de quebrar depois de tanto esforço. Na tarde soalheira do dia 28 de maio de 1944, o povo foi de cambulhada à beira-Tejo. Milhares de chapelinhos de papel davam ao ambiente um toque gracioso. Ninguém seria capaz de adivinhar que estavam à beira de assistir à destruição completa do tão honroso representante da divisão secundária. Mas foi isso mesmo que aconteceu. A tremenda linha avançada dos encarnados – Espírito Santo, Arsénio, Julinho, Teixeira e Rogério Pipi – iriam fazer gato-sapato da defesa canarinha e transformar o dia do guarda-redes Valongo num autêntico inferno.
Aos 15 minutos de jogo, o resultado já chegara aos 2-0, golos de Rogério Pipi (13 m) e Julinho (15). Seria a tarde de Rogério em flor. Muitos anos mais tarde, diria: “Fiz algo que nem o Eusébio foi capaz de fazer”. Nem o Eusébio nem ninguém: cinco golos numa final da Taça de Portugal parece tarefa impossível. Mas Rogério mediu-se com o impossível.
Com dez No Estoril, Elói aleija-se ao passar dos dez minutos. É obrigado a sair do campo. O buraco fica lá bem visível, prontamente aproveitado pelos encarnados mais experientes. Num canto apontado por Rogério, Valongo sai disparatadamente e deixa que Julinho faça o 3-0 de forma fácil. Estávamos em cima da meia hora. O azar persegue os estorilistas. Raul Silva, num salto formidando, procurando afastar uma bola do seu meio-campo, cai ao desamparo e fratura uma clavícula. Nada a fazer. O Estoril passa a jogar com apenas nove jogadores para desespero do seu treinador, o grande Augusto Silva. Encosta Sbarra à direita e recua Alberto para a defesa. O ataque torna-se praticamente inexistente. Vai ser preciso coragem para estancar o dique encarnado que entorna bolas para o meio terreno dos rapazes das camisolas amarelas.
Espírito Santo faz 4-0 aos 36 minutos e é o momento de o destino impor um pouco da sua justiça quase sempre tão ínvia. João Silva choca com Petrak e fica, também ele, seriamente lesionado. São agora dez contra nove e há uma segunda parte inteira para ser jogada.
É altura de exigir sacrifícios. Elói e João Silva sobem ao relvado nitidamente diminuídos. Mas o Estoril deixa de lutar denodadamente como o fizera até então. Entregou-se às circunstâncias e ao adversário. Aos 60 minutos, Rogério faz 5-0. Treze minutos mais tarde faz 6-0. Cinco minutos passados e eis que assina o 7-0.
No meio dos destroços de um adversário perdido, Rogério parece ansioso por golos e isso contagia os seus companheiros de ataque. A final das Salésias é uma carnificina.
O público vai abandonado as bancadas. Mesmo os adeptos do Benfica não saem satisfeitos. Esperavam, naturalmente, um jogo mais renhido no qual a vitória se valorizasse perante um adversário no auge das suas capacidades. São muitos os que já não veem o último jogo do avançado-assassino, Rogério Lantres de Carvalho, o oitavo dos benfiquistas, o quinto da sua contabilidade particular.
“Eis um jogo que não teve jeito de final de Taça”, escrevia o cronista do Diário de Lisboa. “O Benfica cimentou a sua superioridade e terminou em ambiente de treino”. Quanto ao Estoril, disputou a única final da sua história. Agora, se quiser chegar à segunda, tem de aplicar ao Benfica uma desforra das antigas.