Como analisa os apoios que têm sido dados pelo Governo?
Neste momento, não há muita agilidade. Estamos numa situação extremamente difícil. Difícil no sentido em que as interpretações começam a colidir umas com as outras. Infelizmente, em vez de se estar mais ágil, nesta altura estamos com muitos problemas. O Apoiar.pt fechou repentinamente sem se perceber muito bem porquê. Por exemplo, foi dada a expectativa a quem tinha capitais próprios negativos que poderia resolver a sua situação – e isto demora algum tempo a fazer os registos, etc. – e, de repente, defraudam completamente as expectativas de quem estava a pensar que podia concorrer. Na sexta-feira, um aviso ao final do dia deu conta de que terminou. Não se consegue perceber porquê. Nas candidaturas, nunca há pré-aviso. Tínhamos conhecimento de que ainda havia plafonds. Não me parece nada claro nem transparente este encerramento repentino. De repente, põem um aviso à noite a dizer que à meia-noite fecha.
Mas é normal isso acontecer?
As candidaturas é assim que funcionam, mas não estamos a falar de uma candidatura normal, de um apoio ao investimento. Estamos a falar de um programa para que as empresas não fechem. Há aqui qualquer coisa estranha. Depois, o Apoiar Rendas, que era um excelente apoio, trouxe uma série de complicações associadas e que vão além da legalidade. Como tal, não nos parecem corretas. Acho que o Governo e o Ministério da Economia têm de se concentrar para saber se querem ou não ajudar as empresas. Não podem criar expectativas e depois não corresponderem às mesmas. Mais vale dizer ‘não, isto não existe ou não se vai dar’. Quando se fala que há um apoio às rendas, isso é muito generalizado. De repente foram criadas uma série de injustiças nas suas atribuições, em que para as mesmas situações têm enquadramentos fiscais diferentes e, como tal, têm recibos e documentos diferentes de suporte, o que pode pôr em causa o recebimento dessa verba, causando injustiças em situações idênticas. Parece uma falta de coerência naquilo que se pretendia. Por exemplo, no caso dos empresários em nome individual sem contabilidade organizada, na portaria não diz que não têm de ter trabalhadores e no aviso dizem que têm de ter. Ora, a renda é um custo que existe sempre, quer se tenha trabalhadores ou não. Não faz qualquer sentido esta ligação e, ainda por cima, não estando na portaria, parece-nos ilegal que estejam a exigir esta condição. Acho que nesta altura há muita informação que não é coerente, há muitas situação de interpretações que não cumprem o objetivo principal, que é ajudar as empresas a sobreviver, e acho que o Governo tem de se centrar nisso: quer ou não quer ajudar as empresas? Com rigor mas, acima de tudo, também com aplicação das situações à realidade do país. E acho que anda um bocadinho à deriva. Está aqui tudo um bocadinho baralhado, numa altura em que as empresas precisam é de clareza, simplicidade. As empresas estão na pior situação desde o princípio da pandemia e, nestes últimos dias, as coisas complicaram-se imenso, desnecessariamente.
Estamos a falar de uma situação a que as empresas estão alheias…
Exatamente. O Governo tem mesmo de perceber se quer ou não ajudar as empresas. Agora, não pode criar falsas expectativas. Acho que neste momento criaram-se falsas expectativas e não está a responder àquilo que é necessário. Tem de ser feita uma reflexão porque, realmente, as expectativas que são criadas nestes empresários com tantas dificuldades não estão a ser cumpridas.
Já falou com o Governo sobre isso?
Já os alertei. Neste momento estão a analisar, mas os dias vão passando. E neste momento, em relação aos contabilistas certificados, estão a pôr em causa os impostos deste mês. Se não nos dão condições para trabalhar, os contabilistas não vão conseguir cumprir as suas obrigações deste mês, o que implica com os dinheiros trimestrais do IVA, os dinheiros mensais do IVA, o que é extremamente grave.
E as empresas a pressionar?
As empresas querem os apoios, claro. Na semana passada, perderam tempo a enviar os DRI – pagamento à Segurança Social –, que não passavam, e não puderam enviar o pedido de apoio e, entretanto, o Apoiar fechou. Veja a pressão que existe sobre esta classe profissional – nesta altura, não têm mãos a medir. Temos de ter condições. Não podemos ter a ACT a dizer-nos que temos de estar em casa em teletrabalho porque tudo é mais lento. Não temos tempo para estarmos mais lentos – principalmente em fevereiro, em que existem imensas obrigações a cumprir que põem em causa tudo o resto: o IRS, o reembolso dos contribuintes, etc. Precisamos é que nos deem condições, que os sites funcionem, que os prazos sejam aligeirados e que sejamos considerados serviços essenciais e possamos estar nos nossos escritórios a trabalhar. Isto é pedir pouco para aquilo que temos.
Porque há esta resistência?
Acho que não há noção daquilo que os contabilistas fazem em termos de trabalho. Só haverá noção se os impostos não entrarem e, aí, toda a gente se vai preocupar com a questão. Ou podemos trabalhar e nos dão condições ou não há impostos.
As empresas estão a pressionar em relação ao fim do programa Apoiar?
Justificamos que o Governo acabou com esse apoio. Não há outra justificação. Acho que o Governo deveria ter tido uma palavra e um aviso para os contribuintes porque não estamos num apoio nem numa candidatura normal. Isto é um apoio a fundo perdido para a sobrevivência das empresas. Acho que é extremamente grave o tratamento destas situações com criação de expectativas. E tem tudo a ver com uma gestão de expectativas que, por vezes, não é feita. Temos tentado cobrir muito o trabalho do Governo nesta gestão de expectativas, tentando, de facto, partilhar e prevenir muitas das situações incorretas que existem. Mas há coisas que, depois, não conseguimos controlar. Fechar um aviso numa hora não era expectável.
E deixa pedidos de fora?
Claro, não se esqueça que no dia 21 de janeiro foram abertas novas condições para candidaturas. Estamos a falar num espaço de dez dias úteis, praticamente. Não deu muita margem, nomeadamente a resolução dos capitais próprios, que implicou gastos das empresas em dinheiro e registos, para resolver problemas estruturais, para poderem aceder. Foi criada a expectativa e, de repente, o apoio acaba de um dia para o outro. Vai causar muita incerteza nas empresas, que estão a fazer um esforço enorme para sobreviverem – e ainda bem que o fazem, porque recomeçar de novo é muito mais difícil. Os apoios são bons mas, depois, parece que o seu funcionamento acaba por trazer tantos constrangimentos que os próprios empresários têm medo dos apoios.
Os contabilistas já funcionam como psicólogos?
Claro. Atender telefonemas todos os dias é um dos trabalhos regulares de um contabilista. Atender os seus clientes, com as suas preocupações, em desespero – todos temos de contribuir para ser a solução.