Um artigo de Pedro Nuno Santos (PNS), recém-publicado na imprensa e no rescaldo das eleições presidenciais, retirou do silêncio muitos daqueles que apelidarei de “geração terceira via” que ainda subsiste no seio do Partido Socialista, mas que tão maus resultados deu na família socialista, social-democrata e trabalhista na Europa e no Mundo, reduzindo à insignificância a maior família política internacional, a Internacional Socialista – que tão importante foi para a democratização do mundo no último quarto do século passado –, mas também muitos dos principais partidos políticos que dela fazem parte, tendo mesmo alguns, inclusive, desaparecido.
Como dizia, no Partido Socialista, militantes e dirigentes há que, ainda hoje, consideram que assumir ser ideologicamente de esquerda é taticamente (leia-se, eleitoralmente) desvantajoso, porque afugentará o eleitorado “moderado”, preferindo eufemismos como “centro-esquerda” ou “esquerda moderna” ou, mesmo, “esquerda progressista”, outros haverá que ao assumir-se de esquerda é o equivalente a defender a ditadura do proletariado ou uma sociedade estatizante de inspiração soviética. Outros, ainda, que consideram o Partido Socialista como uma espécie de vanguarda do novo mundo ideológico que superou a dialética esquerda/direita, sendo o seu principal objetivo de governação a regulação das tensões existentes na sociedade, sejam elas sociais, económicas ou culturais, promovendo uma evolução “suavizadora” de forma a esbater essas tensões, proporcionando, com isso, alguma paz social.
Não perderei tempo com aqueles que, nos partidos políticos existem, consideram que exprimir a opinião quando divergente do líder ou da direção partidária, é um ataque político, uma tentativa de “coup” ou deslealdade. Esses confundem a militância partidária com uma claque de futebol.
Do artigo de PNS, anteriormente referido, retive essencialmente o seguinte: (i) o PS deveria ter apoiado um candidato da sua família política (social-democracia); (ii) a disputa democrática entre visões de esquerda e de direita da sociedade são importantes para limitar a ascensão de projetos antidemocráticos extremistas como é o caso, em Portugal, do projeto político do Chega e (iii) a diluição dos principais partidos de esquerda e direita, num hipotético centro político-ideológico leva ao crescimento da insatisfação por subrepresentação e abre brechas no sistema democrático. Temos como exemplo maior o que se passa em França, onde já quase se luta apenas entre democratas e não democratas e onde os não democratas levam vantagem (sondagens da última semana apontam Le Pen como a potencial candidata mais votada nas próximas Presidenciais francesas).
Isto, infelizmente, não foi apreendido por militantes com responsabilidades no PS, que, talvez por ingenuidade ou até por convicção, continuam a achar que o que está a acontecer na nossa sociedade (aumento das desigualdades, aumento da precariedade, obsolescência das respostas públicas para a melhoria da vida das pessoas), nas palavras de Vieira da Silva (VS), em artigo de opinião recente, “complexidades da sociedade contemporânea”, encontrarão respostas onde ainda não encontraram nas décadas anteriores. Espaço político que VS resume de forma “clara” como “setores sociais de colocação doutrinária de natureza intermédia, a que muitas vezes chamamos de centro, centro-esquerda e centro-direita” ou como Augusto Santos Silva caracteriza como “aqueles que preferem a ação reformista às proclamações dogmáticas”. Vá-se lá saber o que isso seja.
Defender a democracia representativa, o estado social, o combate às desigualdades, uma melhor redistribuição da riqueza, o trabalho e a dignidade dos trabalhadores, o controlo dos abusos do mercado, sem contudo deixar de promover o desenvolvimento económico e a produção de riqueza, a equidade, a paz, a liberdade e melhores condições de vida (princípios basilares e expressos na Declaração de Princípios do Partido Socialista) é ser de esquerda não é ser de centro e o PS tem obrigação de liderar todos aqueles que no espectro político nacional aceitem pugnar por estes princípios. Obviamente que para ser de esquerda, não basta defender isto, é importante ter um impulso inconformado e transformador que motive a ação do exercício do poder.
Chegados aqui, importa falar de perceção.
Quando se classifica PNS como representante ou líder da “ala esquerda” do PS ou, quando se apelida os militantes do Partido Iniciativa Liberal (IL) de “liberais” ou até mesmo quando se classifica o BE e o PCP de “extrema-esquerda”, nada disto será inocente. Por incúria, impreparação ou mera simplificação, de forma propositada ou acidental, incute-se nas pessoas um preconceito ou uma errada representação da realidade quanto aos protagonistas e ao que os partidos políticos representam. Como escreveu Carlos Leone em “O Socialismo nunca existiu?” e mais recentemente Pacheco Pereira, a associação do liberalismo à direita, banal aos dias de hoje nada tem de natural. Aliás, a tradição liberal é a tradição de esquerda e hoje confunde-se isso com o neoliberalismo exclusivamente económico, professado pela IL. Por outro lado, o epíteto “extrema-esquerda” apenas serve para identificar alguns partidos políticos como partidos antidemocráticos. Como escreveu, também, Pacheco Pereira em novembro passado num excelente artigo, “só a deslocação excessiva das classificações políticas para a direita considera que sindicatos, greves, manifestações, combate aos despedimentos ou mesmo propostas anticapitalistas (que o PAN e a Iniciativa Liberal também fazem) são “revolucionárias”.
Por fim, a ala esquerda do PS. Visto que está, que ser do PS (socialista ou social-democrata) é ser de esquerda, melhor que perguntar o que é a ala esquerda do PS é perguntar, mesmo, o que raio é o centro-esquerda?
É defender a redistribuição de rendimentos às segundas, quartas e sextas? Ou é defender o trabalho e os trabalhadores em janeiro, março e maio e nos restantes meses defender as empresas? Ou será, defender um sistema de educação público, universal, mas não tendencialmente gratuito? Como escreveu Mário Soares, num pequeno livro editado pela Juventude Socialista em 1997, a propósito da vitória hegemónica europeia de governos socialistas, sociais-democratas e trabalhistas no final da década de 90 do século passado, “a preocupação com o futuro, a pressão dos desempregados, a crescente exclusão social e marginalidade em que tantos jovens europeus estão a cair explicam, em boa parte, o mal estar que corrói as sociedades europeias (…) terão contribuído para levar ao poder governos que se reclamam do socialismo (democrático) – não do «centrismo», como alguns teóricos não inocentes pretendem – , na esperança de que tenham a coragem de ir ao encontro das aspirações claríssimas das massas populares(…)”, ou como escreveu Ferro Rodrigues, nesse mesmíssimo livro, “a esquerda surgiu como uma ambição, um impulso social transformador. E governar pela esquerda é renovar permanentemente esse impulso transformador”?
Existe hoje uma geração de militantes do PS, da qual PNS faz parte e na qual eu me incluo, que não têm medo de ser de esquerda e não abdicam de o ser, porque ser socialista é isso mesmo. Se alas existem no PS é, mesmo, uma pequena ala centrista. O centro que fique, pois, para aqueles que nada querem mudar.
Pedro Vaz