Celebrizou-se com um papel num filme do qual nunca gostou. Sobre a sua participação Música no Coração, de Robert Wise, estreado em 1965 com Julie Andrews como protagonista, queixou-se por várias vezes. É que, depois de um intenso processo de preparação para estar à altura do desafio que constitui a participação num musical, descobriu que a sua voz seria afinal dobrada. Ficou “furioso”, na palavra que utilizou numa entrevista concedida ao Guardian já em 2018. “A única razão pela qual fiz esta porcaria era poder fazer um musical”. Entrevista na qual se mostrava contudo já conciliado com esse passado: “Já fiz as pazes com isso”, dizia. “Irritava-me muito no início. Pensei: ‘Estas pessoas nunca viram outro filme? É a única coisa que alguma vez viram?”. Mas acabaria por se sentir agradecido. “Ao filme, a Robert Wise, um grande realizador e um cavalheiro, e a Julie [Andrews], que permaneceu uma amiga”.
Tinha razões para isso. Foi de facto Música no Coração que o catapultou para uma carreira de papéis de maior relevo — até então, as suas participações em cinema haviam-se ficado por papéis menores. Começara no teatro, elogiaram-lhe os dotes de representação numa série de encenações de textos de Shakespeare em que participou antes de se ter dado a conhecer ao grande público, no grande ecrã. Antes de ter ficado para a História, e permanecer até hoje, como o ator de idade mais avançada a ser distinguido com um Óscar, em 2012, tinha o ator canadiano 82 anos. O feito deveu-o a si, mas também à oportunidade que lhe concedeu Mike Mills no seu Beginners. Filme no qual interpretava o papel de Hal, um pai que em idade avançada revelava ao seu filho, Oliver (Ewan McGregor), que era gay e que tinha um namorado mais novo para logo depois ser ceifado por um cancro terminal.
Mas vamos ao início. Arthur Christopher Orme Plummer, era este o seu nome completo, nasceu em Toronto, no Canadá, a 13 de dezembro de 1929, único filho de John Orme Plummer, vendedor de ações e de seguros, e de Isabella Mary, secretária na Universidade de McGill e neta do antigo primeiro-ministro canadiano John Abbott. Com ligações ao mundo artístico e da representação, na família teve apenas um primo em segundo grau: o ator britânico Nigel Bruce, conhecido pela sua interpretação de John Watson nos filmes em que Basil Rathbone foi Sherlock Holmes.
Apesar de ter nascido em Toronto, foi em Senneville, nos arredores de Montreal que passou a sua infância, para onde se mudou com a sua mãe depois de um divórcio precoce dos pais. Era por isso tão fluente no francês quanto no inglês. A formação artística acompanhou-o desde cedo. Começou primeiro por ter aulas de piano, e não tardou a desenvolver um interesse crescente pelo teatro. Pela altura em que frequentava o liceu de Montreal já representava no Teatro de Repertório de Montreal, que tinha entre os seus atores naquela época também William Shatner. Foi aliás essa a sua verdadeira escola — disse-o várias vezes ao longo da vida que se arrependia de nunca ter frequentado uma universidade, apesar das ligações da sua família a uma instituição de ensino superior.
Pelos palcos foi andando até em 1946, numa produção para o liceu em que era adaptada a obra Orgulho e Preconceito, chamado a atenção de um crítico da Montreal Gazette, Herbert Whittaker, que acumulava esse trabalho com o de encenador no Teatro de Repertório de Montreal, para onde o chamou quando o ator tinha apenas 18 anos, oferecendo-lhe o papel de Édipo numa encenação de A Máquina Infernal, de Jean Cocteau.
De papel em papel, acabaria por chegar à televisão. A sua estreia no pequeno ecrã deu-se com uma adaptação de Otelo, de Shakespeare, para a estação canadiana CBC. Estava-se no ano de 1953, o mesmo em que chegaria também à televisão norte-americana numa participação num episódio do Studio One, programa da CBS. O mesmo em que, também nos Estados Unidos, faria a sua estreia na Broadway, com The Starcross Story, espetáculo com vida curta, mas ao qual se seguiria, logo no ano seguinte, uma participação em Home is the Hero, que teve na Broadway 30 récitas, entre setembro e outubro de 1954. Os papéis e participações foram-se sucedendo até à primeira nomeação para um Tony, por Lark, de Jean Anouilh, ou à subsequente colaboração com Elia Kazan, ainda no teatro.
A estreia no cinema dar-se-ia em 1958 com Sidney Lumet, que o escolheu para acompanhar Henry Fonda e Susan Strasberg no filme Stage Struck. É do mesmo ano a série televisiva Little Moon of Alban, que lhe deu a sua primeira nomeação para um Emmy. Os papéis nas várias frentes foram surgindo uns após outros até que em 1965 lhe chegou Música no Coração, onde interpretava o capitão von Trapp — dobrado pela voz de Bill Lee.
No teatro, ao longo de uma carreira que se estendeu por mais de 70 anos, encarnou personagens criadas por Pirandello, Tchekhov, Arthur Miller ou Harold Pinter. Na televisão destaca-se a participação na série Star Trek – O caminho das estrelas, colaborou com nomes como Spike Lee, Blake Edwards, Terry Gilliam, Al Pacino, George Clooney, Helen Mirren ou Shirley MacLaine. No cinema, percorreu vários géneros. Marcante nos anos mais recentes foi a sua participação no filme de 2012 de Mike Mills que lhe deu um Óscar — o mesmo ano em que daria voz à narração da versão inglesa da curta-metragem Kali, O Pequeno Vampiro, da realizadora de cinema de animação portuguesa Regina Pessoa —, mas também, já em 2017, a substituição de Kevin Spacey, apanhado pela teia do Me Too, no filme Todo O Dinheiro do Mundo, de Ridley Scott, num papel que lhe valeria mais uma nomeação para os Óscares. Entre os seus últimos papéis contam-se Verdade Debaixo de Fogo (2019), de Todd Robinson, Knives Out: Todos São Suspeitos (2019), de Rian Johnson, e um derradeiro Heroes of The Golden Age, de Sean Patrick O’Reilly, ainda por estrear.
Foi assim, ainda no ativo, que Christopher Plummer de despediu do mundo e dos seus papéis na última sexta-feira. Morreu na sua casa, no estado norte-americano do Connecticut, contou a família à Associated Press. Tinha 91 anos.