Guardas prisionais. Ter cadastro não dá despedimento mas há quem não concorde

Guardas prisionais. Ter cadastro não dá despedimento mas há quem não concorde


A Lei Geral do Trabalho diz que despedimento só acontece se os factos privados tiverem um “impacto assinalável” no exercício da profissão. Sindicato fala em situações “que envergonham”.


Cumprir pena por questões de violência doméstica, pedofilia ou outro crime igualmente grave pode não ser, para um guarda prisional, suficiente para deixar de exercer funções. Segundo a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, os factos praticados no âmbito da vida privada só têm relevância disciplinar em casos de assinalável impacto no exercício da profissão. E essa é uma questão que tem levantado muitas críticas e feito soar alarmes. Se um guarda prisional for condenado, por exemplo, por violência doméstica, é viável continuar a exercer a sua profissão? As respostas dividem-se. Ao i, o advogado João Cavaleiro sublinhou que a questão que tem de ser analisada é perceber que funções um guarda prisional exerce e que crimes cometeu. No entanto, ressalvou que, no caso de ser condenado por violência doméstica, o mais indicado seria, na sua perspetiva e em termos gerais, transferi-lo para serviços administrativos ou comunitários.

“O despedimento é um ato muito forte. Nas empresas privadas, só se pode ir para o despedimento se o trabalhador agredir o patrão ou um colega, porque os tribunais estão sempre a ver se há ali qualquer coisa que não possa ser o despedimento. Agora, genericamente, um guarda prisional que é, por exemplo, condenado por violência doméstica não demonstra uma aptidão para exercer a profissão. O que acho é que esses guardas prisionais devem ser transferidos de serviço para um serviço administrativo. Isso faz todo o sentido”, começou por dizer, realçando, que, no caso de crimes como a violência doméstica, um guarda prisional apresenta “indícios de abuso”.

“Se mostra esses indícios, não vamos pôr este indivíduo numa posição superior de guarda prisional quando abusou do poder dele com a mulher. Quem garante que não faz o mesmo nos seus serviços prisionais?”, questionou.

Apesar disso, João Cavaleiro ressalvou que não deve ser um crime deste género a levar um guarda prisional ao despedimento. “Se toda a gente fosse condenada por violência doméstica, embora seja um crime condenável, e isso fosse um motivo de despedimento do seu trabalho, estávamos mal. Porque a Lei Geral do Trabalho é muito parecida com a Lei do Trabalho normal. Tem poucas diferenças. Mas temos de ver como a lei se aplica. Se se tratar de um diretor financeiro condenado por corrupção e desvio de dinheiro, aí, sim, é legítimo a empresa iniciar um processo disciplinar que pode levar ao despedimento”, explicou, acrescentando que a “a forma mais simples de analisar estes casos é ir ao exagero”.

“Imagine-se que um indivíduo é condenado por pedofilia e gere um centro de recolhimento de menores. É inaceitável. Até pode ser com a filha dele, mas não pode gerir um centro de menores. Aí, tem de ser despedido”, rematou.

Nesse sentido, Pedro Moniz Lopes, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, revelou ao i que o que está em causa é “saber se a pessoa está ou não está adequada a exercer a profissão”. “Nestes casos, coloca-se a questão de ter aptidão suficiente para ser guarda prisional por ter cometido determinado tipo de crime”, explicou.

caso recente de guarda prisional Em dezembro do ano passado, um guarda prisional que atropelou mortalmente um agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) de Évora já havia sido condenado, em 2017, por violência doméstica, e ainda a cerca de 50 fins de semana de prisão por conduzir sob o efeito de álcool, cumprindo a pena de prisão aos fins de semana, no Estabelecimento Prisional de Évora. Durante a semana, Fortuna Malengue continuou a trabalhar como guarda prisional em Sintra.

Em pena de prisão por dias livres, a qual supõe o exercício de funções nos dias úteis – uma vez que a pena é cumprida ao fim de semana –, certo é que o guarda prisional continuou a trabalhar. No entanto, ao i, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) admitiu que “esta nova direção” colocava “a pessoa em causa em serviços administrativos, ignorando-se porque tal não foi feito à data, no âmbito da anterior direção”, sublinhando ainda que a DGRSP “tem demitido, nos últimos anos, vários funcionários, nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, sempre que a gravidade dos factos o exige”.

facto que “envergonha” Questionado pelo i sobre o caso concreto de Fortuna Malengue, o presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, Carlos Sousa, sublinhou que “as garantias e direitos de um cidadão são mantidos até ao limite”. No entanto, mostrou ser totalmente contra ao facto de o guarda prisional ter cadastro e continuar a exercer.

“Neste caso, como cidadão, o indivíduo não pode perder o direito ao trabalho, o que na nossa opinião esbarra com o que é requerido ao corpo da Guarda Prisional. Nunca um guarda a cumprir pena, ainda que somente aos fins de semana, deveria envergar a farda de guarda prisional. Só este facto já nos envergonha. O ato praticado por esse cidadão deverá ser punido e o ato praticado pelo cidadão guarda deverá ser exemplarmente punido”, atirou, aludindo ao facto de o guarda prisional em causa cumprir pena aos fins de semana e trabalhar aos dias de semana.