Nas últimas épocas habituámo-nos a que os jogos entre Belenenses e FC Porto caiam facilmente para o lado dos dragões. Claro que, neste caso, temos no lugar do Belenenses, o autêntico, um tal B-SAD ou, como costumo dizer, um clube em tempos chamado Belenenses. Seja como for, o facto é que este B-SAD ocupou o lugar dos azuis da i Divisão, embora sem cruz de Cristo.
Hoje, pelas 19 horas, o FC Porto vem a Lisboa para defrontar o tal Belenenses que já foi Belenenses e deixou de o ser, e há sempre episódios que vêm à superfície quando velhos rivais se encontram. Neste campeonato nacional, agora reduzido a dois candidatos pela desistência precoce do Benfica, que resolveu bem cedo abandonar as suas ambições e está agora metido no sarilho de tentar, no mínimo, ficar em terceiro lugar numa luta com o Braga que, não por acaso, já bateu recentemente a equipa de Jorge Jesus por duas vezes, na Luz, para o campeonato, e em Leiria, para a Taça da Liga, os portistas não podem desligar-se da ficha e sabem bem disso. Portanto, são favoritos, e muito.
Recuemos no tempo. Até ao dia 14 de junho de 1942. Última jornada. No ataque de cada lado estavam jogadores de categoria: Varela Marques, Elói, José Pedro, Artur Quaresma e Franklin, nos da casa, que ao tempo eram as Salésias; Pinga, Pratas, Gomes da Costa, Correia Dias e Carlos Nunes na linha atacante dos portistas.
O povo que encheu as bancadas estava alegre e confiante. O Belém tinha realizado um bom campeonato – viria a ganhar a Taça de Portugal –, garantindo o terceiro lugar, atrás de Benfica (8 pontos a menos) e Sporting (4 pontos a menos), e com mais dois pontos do que o FC Porto, aliás conquistados no jogo de que estamos aqui a falar.
Espancamentos Não se pode dizer que os portistas não estivessem avisados. O Belenenses dessa época, em casa, fora assassino: 4-0 ao Benfica; 5-2 ao Carcavelinhos; 6-2 ao Leixões; 3-1 ao Sporting; 9-0 ao Leça. Espancamentos atrás de espancamentos. E, no entanto, houve por parte dos nortenhos uma certa soberba. Aos 13 minutos, já Varela Marques abrira o marcador. Era impossível adivinhar a avalanche que vinha a caminho. Ao intervalo, o resultado era confortável para o Belenenses (3-1), que marcara por José Pedro (38 m) e Franklin (40 m), contra o golo solitário de Correia Dias (27 m).
O jogo estava alegre, animado. A tarde era de festa e os azuis de Belém estavam dispostos a oferecer ao seus apaniguados uma tarde para nunca mais esquecerem. O segundo tempo foi um chorrilho de golos: quatro para os da casa – Artur Quaresma (55 m); Elói (56 m); Franklin (85 m) e Varela Marques (89 m). Pelo FC Porto marcaram Gomes da Costa (63 m) e Correia Dias (75 m). Nunca o Belenenses sujeitara os portistas a tamanha humilhação. Bandeiras azuis drapejavam ao vento. E pairava no ar uma espécie de ameaça. Para a Taça de Portugal, cerca de um mês mais tarde, o FC Porto voltou a jogar nas Salésias e saiu de lá derrotado por 1-5.
Não se fique com a ideia de que foram confrontos aleatórios ou uma qualquer questão de sorte que, por vezes, sopra a favor dos mais humildes. Nesse tempo, o Belenenses era um dos grandes – viria finalmente a ser campeão nacional em 1946 – e o FC Porto sofria a bem sofrer de cada vez que tomava o caminho das Salésias. Repare-se que sofreu cinco derrotas consecutivas nas deslocações ao terreno do Belenenses. Nas duas épocas seguintes, as goleadas sucederam-se: 4-0 em 1942-43 e outra vez 4-0 em 1943-44. E, para coroar uma superioridade indiscutível, em 1944-45 houve uma célebre vitória do Belenenses no Campo da Constituição, no dia 21 de janeiro de 1945 – 6-2, com Mário Coelho, um avançado que viera do Estoril Praia, a marcar quatro golos. Tempos bem distantes, esses. Agora cabe ao FC Porto a obrigação de vencer. E continuar a ser um dos dois únicos candidatos.