TAP. O Estado fez bem ou mal em salvar a companhia aérea da falência?

TAP. O Estado fez bem ou mal em salvar a companhia aérea da falência?


O tema TAP tem colocado frente a frente duas visões distintas sobre o papel que o Estado português deveria ter assumido, face à crise, em relação à empresa. Os argumentos continuam a ser desfiados, sem consenso, em artigos de opinião e debates.


As perguntas ressoam desde março: o Governo fez bem ou mal em salvar a TAP da falência? Como seria Portugal sem a sua companhia aérea de bandeira? A TAP deve continuar a ter maioria de capitais públicos ou voltar a ser privatizada? Estas e outras questões têm acompanhado as conversas sobre aviação e TAP. Para já, o consenso parece não existir.

O Estado português injetou 1,2 mil milhões de euros na TAP em 2020 para salvar a empresa da falência, mas a companhia aérea ainda vai precisar de mais financiamento nos próximos anos. Segundo o Governo, o auxílio à TAP vai superar os 3,7 mil milhões de euros até 2024, para fazer face à crise que se instalou no setor da aviação devido à pandemia – e isto usando o cenário atual como ponto de partida.

O valor até pode ser público ou privado, mas o Estado português (detentor de 72,5% da companhia) terá sempre de suportar o montante caso a empresa não consiga financiar-se nos mercados.

O plano de recuperação da TAP prevê que o break-even operacional – ou seja, quando a operação passa a representar ganhos – será atingido em 2023. Segundo o plano, a companhia já terá um resultado operacional positivo em 2024, embora ainda tenha necessidade de financiamento. E estará finalmente em condições de começar a devolver os empréstimos contraídos a partir daí. “Em 2025 [a TAP] estará em condições de começar a devolver dinheiro ao Estado”, garantiu o ministro Pedro Nuno Santos.

As perspetivas de evolução do setor e da própria TAP são, porém, bastante incertas, pois, entre outras coisas, continuam a depender de fatores externos. Mas é o histórico de prejuízos da companhia, registados ao longo dos anos, que, regra geral, faz o cidadão comum “torcer o nariz” à intervenção e às estimativas do Governo para a empresa. Entre 2008 e 2019, a companhia aérea acumulou prejuízos de 928 milhões de euros, já deduzindo os lucros de 21,2 milhões de euros registados em 2017. E nos primeiros meses de 2020, as perdas dispararam, face à pandemia, chegando aos 701 milhões.

 

O caso do Montenegro

O exemplo da Montenegro Airlines tem sido dado por quem discorda da intervenção do Governo na TAP. A companhia aérea do pequeno país dos Balcãs foi fundada em 1994 – mesmo antes da independência – e era um orgulho e uma “ponte” para os cerca de 1,1 milhões de montenegrinos residentes no país e espalhados pela diáspora, em países como França, Alemanha, Suíça, Luxemburgo, Sérvia, Suécia, Estados Unidos ou Canadá – fazendo lembrar Portugal e a TAP.

O país tem no turismo um setor fundamental para a sua atividade económica. Em 2019, este representou 22% do produto interno bruto (PIB) do Montenegro. De acordo com as estimativas, 50% dos turistas que chegaram ao país por via aérea fizeram-no a bordo dos aviões da Montenegro Airlines, que bateu, nesse ano, o recorde de passageiros transportados – fazendo lembrar Portugal e a TAP.

Em 2020, a pandemia obrigou a Montenegro Airlines a suspender 90% da sua operação. E o Governo reagiu. Embora a companhia tenha um histórico de prejuízos, o Estado montenegrino injetou uma primeira tranche de 43 milhões de euros. O plano previa um reforço dos apoios públicos até ao final do ano (num total de 155 milhões) – fazendo lembrar Portugal e a TAP.

As coincidências, porém, acabam aqui. As eleições de agosto elegeram um novo Parlamento, do qual resultou um Governo tecnocrata que, como primeira medida, avançou para uma análise à Montenegro Airlines através de uma consultoria especializada em aviação. Conclusão: a companhia foi considerada inviável e fechou portas no dia 26 de dezembro, com dívidas de milhões de euros e 60 milhões de capital negativo.

Menos de duas semanas depois, o Governo montenegrino registou uma nova companhia aérea nacional: a 2Montenegro (lê-se “To Montenegro”), investindo 30 milhões de euros em capital inicial. A nova transportadora conta manter parte dos funcionários da empresa anterior e deverá começar a operar no verão de 2021 ou 2022, mediante a evolução da pandemia. Entretanto, companhias como Air Serbia, Austrian Airlines ou Turkish Airlines reforçaram a frequência das ligações com a capital, Podgorica.

 

Decisão de caráter político

Ao i, Rosário Macário, professora e investigadora de transportes do Instituto Superior Técnico, explica que a solução adotada para a Montenegro Airlines é, essencialmente, “de caráter jurídico-financeiro” e “pretende isolar as dívidas e proteger os ativos dos potenciais credores”. “É, por isso, uma solução empresarial, independentemente de os capitais serem públicos ou privados, e não uma solução de economia pública ou social”, refere.

A especialista considera que a questão relevante nesta operação é perceber o que foi feito em relação “aos compromissos laborais”. “O problema de fechar ou não estas empresas é um problema de caráter social direto, sobre os trabalhadores, e indireto, sobre os fornecedores”, esclarece.

E se a TAP tivesse seguido caminho idêntico? “Se a TAP tivesse encerrado, outras empresas de aviação teriam ocupado o seu lugar no mercado, desde que Portugal continuasse a ser bem ‘trabalhado’ como mercado de destino nos vários segmentos turísticos. A consequência principal seria mesmo de caráter económico e social, pelo desemprego direto e indireto que iria produzir”, diz Rosário Macário.

E isso justifica, então, o investimento do Governo feito na TAP? “O transporte aéreo é, de facto, uma boa proxy de laboratório de economia. Não se podem rotular universalmente decisões de certas ou erradas, é necessário analisar caso a caso, perceber os pressupostos e condicionantes da decisão. Em particular no caso europeu, há condicionantes regulamentares relativamente às ajudas de Estado. O que podemos afirmar com caráter universal é que todas estas decisões assentam em três domínios: político, económico-social e jurídico-legal. A importância que, em cada momento, os decisores dão a cada um destes domínios é uma decisão de caráter essencialmente político e, como tal, deveria ser trazida a público com toda a transparência e responsabilidade”, conclui.

 

prós e contras O tema TAP tem sido discutido apaixonadamente – muitas das vezes, a partir de uma base político-ideológica. O i tentou “libertar-se” de questões subjetivas, colocando frente a frente duas opiniões divergentes, mas sustentadas por critérios económicos e sociais, o mais próximo do real. Para tal, contou com a ajuda dos analistas da XTB. Henrique Tomé tem uma opinião desfavorável ao auxílio público à TAP; Nuno Mello, por outro lado, tem uma opinião favorável.

O plano de reestruturação da TAP apresentado, em novembro passado, pelo Estado português a Bruxelas “deverá revelar-se desastroso para os cofres do Estado e para a economia nacional”, afirma Henrique Tomé.

Os detalhes sobre a reestruturação da empresa ainda não foram divulgados e, para já, só se sabe que o plano visa o corte de dois mil postos de trabalho (500 pilotos, 750 tripulantes de cabina e 750 trabalhadores do pessoal de terra), a redução de 25% nos salários a partir dos 900 euros (o corte nos ordenados dos órgãos sociais será de 30%) e a redução da frota de 101 para 88 aviões ao longo de 2021. “Estas medidas, no entanto, ainda não são definitivas, mas já se consegue prever a dimensão da reestruturação necessária para a empresa. Os problemas da TAP já têm alastrado há vários anos e este contexto pandémico apenas tem vindo a salientar ainda mais as fragilidades da companhia, pois a empresa já apresentava prejuízos avultados há vários anos, mesmo antes da pandemia provocada pela covid-19”, recorda Henrique Tomé.

O analista considera que “a situação pandémica acabou apenas por colocar vários setores sob pressão e a aviação não foi exceção, tendo a TAP ficado ainda mais prejudicada com as circunstâncias atuais”. “A intervenção do Estado português no capital da TAP pode vir a causar problemas e preocupações para os próximos tempos. Ora, as questões em torno da pandemia estão longe de serem resolvidas e o prolongar da limitação à circulação entre países poderá levantar outros problemas, ainda não identificados, que podem surgir na transportadora aérea. Por outro lado, a atividade doméstica nacional também se encontra a níveis baixos e poderá haver a necessidade de aumentar os apoios por parte do Estado português para estimular mais a economia e os setores fragilizados com a conjuntura económica atual”, explica.

“A verba [que pode chegar aos 3,7 mil milhões de euros] dedicada só à TAP poderia ser alocada em setores que também apresentam fragilidades e que podem contribuir para a deterioração da atividade económica nacional. O facto de haver elevadas probabilidades de serem os contribuintes a pagar este reforço de capital e o facto de ainda não se conhecerem bem os reais impactos que a pandemia tem tido no poder de compra das famílias e a nível laboral podem vir a aumentar o fosso social”, diz.

Henrique Tomé salienta que “há vários anos que a companhia aérea nacional tem vindo a apresentar problemas e, enquanto o Estado português continuar a colaborar com a má gestão que tem vindo a ser feita na TAP, será pouco provável que as ajudas iniciais fiquem apenas nos valores que foram estabelecidos para já”.

Nuno Mello, também analista da XTB, tem opinião diametralmente oposta. “A intervenção do Estado português na TAP é, seguramente, a única solução benéfica para o país e os trabalhadores” afirma.

O analista considera que “ninguém tem dúvidas sobre o impacto que a TAP tem na economia portuguesa e sobre o custo elevadíssimo que teria uma hipotética falência da transportadora aérea para os contribuintes, sabendo que o Estado é o maior acionista da companhia, com 72,5% do capital social. Pondo a questão em termos simples, é mais barato manter a empresa a voar do que os custos diretos e indiretos da sua falência”, assegura. E apresenta dados para confirmar a sua teoria: “A TAP contribui com 2% para o PIB nacional, com 2,6% para as exportações, 3,6 mil milhões de euros para o turismo e 1,3 mil milhões de euros para empresas cuja atividade está ligada, direta ou indiretamente, à atividade da TAP, como os fornecedores, por exemplo”. “Num país fortemente dependente do turismo, em que este setor tem um peso de quase 20% do PIB, deixar cair a TAP seria como dar um tiro no próprio pé. Portugal perderia o seu hub de Lisboa, com as rotas reduzidas apenas a viagens de longo curso diretas e sem viagens para os PALOP [países africanos de língua oficial portuguesa] e Brasil. Isto teria um impacto tremendo no turismo, sobretudo para aqueles turistas que chegam a Portugal para estadias de curta duração”, realça Nuno Mello.

Feitas as contas ao impacto económico, direto e indireto, o analista da XTB chama também a atenção para aquilo que seriam os impactos sociais na sequência do fecho da transportadora portuguesa. “É também muito importante realçar que a TAP é um dos maiores empregadores do país, com cerca de dez mil trabalhadores. Uma eventual falência da empresa atiraria para o desemprego todos estes trabalhadores, cuja grande maioria, de momento, se encontra em regime de layoff, o que teria custos sociais elevadíssimos”, conclui.