Como a cultura pode ajudar a Europa a ultrapassar a crise

Como a cultura pode ajudar a Europa a ultrapassar a crise


Estudo apresentado pelo Grupo Europeu de Sociedades de Autores e Compositores apresenta a UE como “uma potência cultural na economia mundial”. E coloca Portugal entre os Estados-membros em que o setor mais peso tem no PIB nacional.


Consideradas “atividades não essenciais” pelo menos nas fases em que a pandemia mais aperta, as indústrias culturais e criativas foram afetadas como poucas em território europeu. Ligeiramente menos do que a dos transportes aéreos, mas mais do que a indústria automóvel ou mesmo do que o turismo. Ainda assim, pode estar nestes setores uma das chaves para a recuperação económica pós-pandemia da União Europeia. Uma “potência cultural na economia mundial”, nos termos em que é descrita a no estudo “Reconstruir a Europa: a economia cultural e criativa antes e depois da covid-19”, encomendado pelo Grupo Europeu de Sociedades de Autores e Compositores (GESAC) à consultora internacional EY.

São inúmeras as análises possíveis a partir do manancial de dados que disponibiliza este estudo que foi divulgado na semana passada e que olha para o estado e a evolução dos setores no antes e no tempo da pandemia, apontando também caminhos para o papel que poderão desempenhar quando a União tiver de fazer face à crise financeira que sucederá à crise sanitária. Olhemos para uma das conclusões: segundo o estudo elaborado pela EY, as áreas culturais e criativas empregam no conjunto dos estados-membros 7,6 milhões de trabalhadores. Mais do dobro de trabalhadores das indústrias automóvel (2,6 milhões) e das telecomunicações (0,9 milhões) juntas. Para estes números, foram considerados como parte das indústrias culturais e criativas os setores da publicidade, da arquitetura, do audiovisual e cinema, das artes visuais, dos livros, da música, das artes performativas, dos jornais e revistas, da rádio e ainda dos videojogos.

Soma-se a isto o ritmo a que vinham crescendo até há perto d um ano, quando a pandemia começou a traduzir-se em confinamentos por toda a Europa: as indústrias culturais e criativas não só cresciam, como cresciam a um ritmo mais acelerado do que a média do crescimento do total dos setores que constituem a economia europeia.

Entre todos aqueles que foram tidos em conta no estudo, e sem surpresas, o único setor que contrariava a tendência crescente em território europeu era o dos jornais e revistas, com uma queda de 10% entre os anos de 2013 e 2019. O_que nesses anos cresceu mais marginalmente foi o dos livros, com uma subida de apenas 1%. Ainda assim uma subida.

 

Portugal entre aqueles em que ICC mais representam para o PIB

Num país como Portugal, onde o setor cultural sobretudo sofre de uma precariedade crónica que a pandemia veio tornar ainda mais visível (inegável até), os dados apresentados pelo estudo divulgado pela GESAC surpreendem tanto quanto aconselharão a uma pausa para pensar: com a Bulgária, a Estónia (e o Reino Unido, que o estudo ainda inclui), Portugal é um dos poucos estados-membros em que esses setores representam uma percentagem acima de 2% do PIB nacional. Ou seja, apesar de França, Alemanha, Itália, Espanha e Reino Unido serem sozinhos responsáveis por 69% das indústrias culturais e criativas europeias, em países como Portugal, a Bulgária ou a Estónia essas mesmas indústrias têm uma importância na economia superiores à que têm noutros estados-membros.

Outros factos apresentados nas conclusões do estudo, disponibilizado na íntegra pela Sociedade Portuguesa de Autores no seu site: além de estas indústrias terem sido desde 2013 um dos “principais promotores de emprego na Europa”, “sobressaiu de forma positiva no que respeita à inovação tecnológica, diversidade de género e promoção de emprego para os jovens”, tendência esta verificada em 21 dos estados-membros. E não só para os jovens: também para as mulheres, que nestes setores representam uma percentagem mais elevada dos trabalhadores (48%) do que a média de todos os setores da economia europeia.

Desde 2013 que as indústrias culturais cresciam 2,6% ao ano na União Europeia. Mais: em 2017, último ano para o qual estes dados estão disponíveis, apresentavam um superavit comercial na ordem dos 8,6 mil milhões de euros.

 

2021, mais um ano negro

Em 2020 a história foi, como se adivinha, outra. “No seu todo, as ICC tiveram perdas de mais de 30% da sua faturação em 2020 — uma perda acumulada de 199 mil milhões de euros – com os setores da música e artes cénicas a terem perdas na ordem dos 75% e 90%, respetivamente; as artes visuais, com perdas de 53 mil milhões de euros; e o audiovisual com perdas na ordem dos 26 mil milhões de euros”. Lê-se ainda nas conclusões do documento que, atendendo à “contribuição fundamental das ICC para a economia em geral e o seu potencial para ajudar a UE a sair da crise”, “o setor criativo deve estar no centro dos esforços de recuperação da Europa”.

É portanto recomendada aos estados-membros como forma de enfrentar a crise económica que a Europa não tem por esta altura já como evitar que apostem no financiamento público destes setores como também, paralelamente, no incentivo ao investimento privado, com apoio em quadros jurídicos que sustentem a criação das condições necessárias à revitalização da economia criativa, e a salvaguarda do seu crescimento a longo prazo.

Marc Lhermitte, responsável da EY, a consultora que conduziu o estudo, sublinha:_“A cultura deve ser ancorada na economia”, visto antes da pandemia se contar “entre os pesos pesados da economia da União Europeia”. E alerta já para o cenário catastrófico que se desenha para este ano, que poderá tornar-se uma repetição de 2020 para o setor: “O que nos impressiona é que as consequências económicas para a cultura continuarão em 2021 com um grande grau de certeza”.

Jean-Noël Tronc, presidente da GESAC, fez já saber que procurará começar a trabalhar com a Comissão Europeia a partir dos dados que saíram deste estudo. “Vou dizer aos comissários europeus que é preciso envolverem-se numa estratégia de desconfinamento a nível cultural para a União. Os locais de cultura são focos de contágio muito menores do que outros locais que permaneceram abertos”, afirmou, citado pela AFP. “Tem de haver um novo planeamento. Em março, os festivais têm de ser confirmados”. Caso contrário, o efeito dominó poderá tornar-se difícil de inverter.