Por falta de visão ou por incompetência, o combate à pandemia replica um padrão de abordagem às realidades que, não tendo a mortalidade e os impactos económicos e sociais registados nesse plano, em muito contribui para o replicar dos atrasos do país e da nossa permanência na cauda da Europa, em demasiados indicadores.
Não é nenhuma fatalidade, é apenas um modus operandi que vamos permitindo como cidadãos. Com que preço e até quando?
Portugal é dos poucos países da União Europeia que ainda não concluiu o processo da 5G. O lançamento de uma nova geração de redes móveis que permitirá uma maior velocidade e capacidade da rede, a massificação da comunicação entre dispositivos, a conectividade permanente e mais fiável e redes mais flexíveis e ajustadas aos serviços. Depois dos telefones sem fios (1G), das mensagens de texto (2G), da internet e imagem (3G) e da velocidade, das aplicações, das videochamadas, das redes sociais e dos vídeos (4G), a maioria dos países europeus já tem a 5G, que assume particular importância competitiva para a indústria, as operações tecnológicas, a inovação, a ciência, a saúde e muitas dimensões do nosso quotidiano, por exemplo, no teletrabalho ou no ensino à distância.
O país da Web Summit, das startups e do Simplex é dos últimos da União Europeia no processo da 5G, pela mão do Presidente da ANACOM e com a complacência do Governo, incapaz de impor uma visão integrada, coerente e eficaz para o país. Aliás, é a primeira vez que o Governo deixa nas mãos da ANACOM a condução de um processo com esta relevância estratégica, logo quando esta é presidida por alguém sem qualificações sobre a matéria.
Não, a culpa do atraso não é da pandemia como afirmou o ministro da tutela, mas da incompetência na concretização de um impulso estratégico de competitividade e desenvolvimento e da atitude “deixa andar” do Governo.
Incompetência temporal das sucessivas derrapagens do processo que conduziram a uma situação em que toda a Europa voltou a ganhar vantagem em relação ao país, desde logo, a Espanha aqui ao lado.
Incompetência técnica ao deixar derrapar o calendário de libertação de espaço para a 5G por via da transição da TDT, que ainda não está concluída. Mesmo que tivessem sido competentes no 5G não havia frequências disponíveis, porque ainda estão ocupadas pela TDT.
Incompetência territorial ao não ter garantido condições para a cobertura integral do território, num impulso que reitera a desconsideração por partes do nosso território nacional. Onde fica a tão propalada valorização dos territórios do Interior? Há terras do nosso Portugal que ainda não têm cobertura 2G, 3G ou 4G, sendo que só será possível ter 5G se existirem no terreno, ao menos, as antenas da rede móvel antecedente. O Estado e o regulador das comunicações, a ANACOM, não fizeram o trabalho de casa, não investiram na infraestrutura que é pressuposto da 5G, nem terão envolvido as operadoras para que existissem as coberturas mínimas para este novo impulso tecnológico. Logo, a 5G, mesmo atrasada em Portugal, não chegará a todo o território e aos cidadãos. Não chega a uma universidade ou zona industrial do Interior, mas chegará à Estrada Nacional 2, porque foi essa a indicação do governo, mesmo que a sua utilidade e relevância seja quase zero, dado o volume dos utilizadores expectáveis. Uma vez mais, são as opções políticas incompetentes e sem visão do todo e do futuro que alimentam os zangados que caem nos braços dos populistas. Não houve nem visão estratégica, nem preocupação com a coesão territorial.
A convergência da arrogância na condução do processo pelo Presidente da ANACOM e o desleixo do governo em relação a este impulso de modernização, competitividade e fluidez das comunicações e do conhecimento desembocou num leilão concretizado a destempo, em violação das normas das autoridades de saúde para o contexto pandémico e sem cumprimento dos pressupostos de rede e de frequência para a efetivação da 5G.
Portugal lidera os rankings no que não deve e está na cauda da Europa onde devia ser dos primeiros para recuperar do que nos distancia das médias europeias em matéria de desenvolvimento, competitividade, rendimentos e coesão.
O que era uma oportunidade de modernização e de desenvolvimento tende a transformar-se num logro, pelo atraso, pela falta de infraestruturas e pela ausência de uma visão estratégica dos territórios e dos setores que mais poderiam beneficiar com as potencialidades da 5G.
Mais um processo miserável, este com a assinatura do presidente da ANACOM e a conivência de um Governo que sempre esteve mais preocupado em gerir as circunstâncias do que em concretizar uma visão e opções estratégicas, além do turno, das elites e das convergências partidárias.
Portugal precisava de mais, infelizmente, também na 5G, vamos ter retalhos, inconsequências e desigualdades nos territórios e entre os portugueses.
E não nos venham com a desculpa da pandemia. A arrogância, a incompetência e a impreparação começaram muito antes da emergência de saúde pública.
A pandemia tem as costas largas, mas não tanto.
NOTAS FINAIS
SEM SOM. O ministro da Educação proibiu de boca o ensino à distância. O primeiro-ministro António Costa mentiu, ao negá-lo. Está gravado. Há som. Nada de grave quando a palavra não tem valor.
SEM NOÇÃO. As manigâncias no acesso às oportunidades de vacina mais não são do que uma entre muitas expressões do quotidiano normal de parte portugueses, há mais de quatro décadas. Arranjar maneira de contornar a lei, de se desenrascar e ser mais “chico-esperto” que os outros. Só que está mais difícil passar entre os pingos da chuva. Sabe-se tudo, quanto mais não seja por inveja.
Escreve à segunda-feira