A União Europeia pode enfrentar escassez no fornecimento de vacinas contra a covid-19, mas as suas dificuldades não se comparam à de países em desenvolvimento, alguns dos quais têm pouca esperança de vacinar mais de 20% da sua população este ano. Talvez essa percentagem desse para proteger idosos e profissionais de saúde, mas o resultado seria a transmissão constante do vírus, gerando um «ciclo sem fim» da pandemia, nas palavras de David Salisbury, investigador de Saúde Pública do think tank britânico Chatham House.
«Há um enorme buraco entre o desejo de ter a vacina, ou declarações políticas de que o teu país a terá, e obter de facto contratos assinados ou capacidade de pagá-los. E, muito mais importante ainda, ter capacidade para implementar vacinação», lembrou o antigo diretor do programa de vacinação britânico, ao Guardian.
Por exemplo, se for vacinado em África, o mais provável é que seja com uma vacina da AstraZeneca (ver texto ao lado) produzida pelo Serum Institute, da Índia, A farmacêutica, que se comprometeu a não lucrar com a vacina durante a pandemia, autorizou o instituto indiano a produzir 200 milhões de doses da sua vacina, com opção de compra de mais 900 mil doses, para a Iniciativa Covax, financiada por grupos como a Organização Mundial de Saúde ou a Fundação Bill e Melinda Gates, de que vários países africanos dependem quase exclusivamente. Parecem muitas doses – mas não deve dar para inocular mais de 20% da população nestes países.
Outros países, como o Brasil e Indonésia, terão de depender das vacinas da farmacêutica chinesa Sinovac. Não só a eficácia desta vacina tem sido disputada – a farmacêutica fala em mais de 90% de eficácia, à semelhança das vacinas da Pfizer e Moderna, mas ensaios independentes conduzidos noutros países indicam que será mais baixa –, como isso pode tornar estes países mais dependentes de Pequim.
O Brasil – desesperado por vacina, após a tentativa falhada do Presidente Jair Bolsonaro de apelar diretamente ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, para passar à frente da fila – até já recorreu à vacina russa, a Sputnik V, cujos ensaios clínicos foram alvos de grandes suspeitas, mas conseguiu comprar apenas umas 10 milhões de doses.