As eleições presidenciais, com a vitória esperada de Marcelo Rebelo de Sousa, trouxeram definitivamente para o jogo político o rosto da extrema-direita, André Ventura.
Com os seus 12% e 500 mil votos, André Ventura já clama pela inevitabilidade da presença do Chega numa coligação de direita capaz de ganhar eleições.
De facto, no atual panorama, isso seria inevitável.
No entanto, cabe agora à direita democrática demarcar-se e, sobretudo, construir uma alternativa que afaste o radicalismo de direita da esfera do poder.
Como é evidente, uma coligação deste tipo será sempre liderada pelo PSD. O que não parece já tão evidente é que o atual líder, Rui Rio, seja capaz de liderar esse movimento.
Nos últimos tempos, de forma cirúrgica, tem-se assistido ao regresso de Passos Coelho à vida pública, depois do difícil e doloroso período de perda de entes queridos.
Sabe-se que o ex-líder do PSD e também ex-primeiro-ministro está decidido a avançar para a liderança do partido, aguardando, no entanto, pelas eleições autárquicas.
Alguns dos seus próximos insistem, no entanto, por uma decisão mais rápida, uma vez que, no caso de um mau resultado dos sociais-democratas nas autárquicas, o partido ficará muito debilitado. Por outro lado, a confirmar-se esse mau resultado, a liderança de Rui Rio terminaria nesse momento, o que justificaria e tornaria internamente mais pacífica a decisão de avançar de Passos Coelho.
A questão, portanto, é saber como a direita democrática se vai organizar para travar o crescimento do Chega e desmentir o grito desafiante de Ventura: “PSD, ouve bem: Não haverá governo em Portugal sem o Chega!”
O combate entre a democracia liberal e a democracia iliberal passa pela afirmação da direita democrática como alternativa credível, pela rutura definitiva com os vícios da política atual, pelo combate sem tréguas à corrupção e ao nepotismo, mas também pela defesa concreta da justiça social, pela reforma do sistema político e da justiça. Por um projeto que desmonte de vez as bandeiras da extrema-direita, como a exclusão das minorias, a oposição à imigração, o antieuropeísmo ou a defesa de uma sociedade securitária.
Na prática, demonstrar ao cidadão comum que, afinal, o “sistema” tão atacado pelos radicais e populistas da direita é uma defesa dos cidadãos em geral, e não apenas de uma classe privilegiada, onde a maioria da classe política se incluiu.
Um sistema que saiba adequar o ritmo do funcionamento da justiça e demais serviços públicos ao dos nossos dias e, sobretudo, equilibrar a sociedade.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tem sido o garante e o rosto desse projeto, mas os seus poderes não lhe permitem liderá-lo.
O retrato sociológico dos resultados das eleições presidenciais merece uma profunda reflexão.
Uma dirigente da extrema-direita francesa, Marion Maréchal, sobrinha da líder, Marine Le Pen, afirmou há tempos: “Nós representamos o realismo, eles são a ideologia. Nós acreditamos na memória, eles são a amnésia”.
Cabe aos democratas de todos os quadrantes, mas sobretudo aos da direita, provarem que aquela declaração não passa de uma proposta de manchete.
Jornalista