Robert M.Sapolsky. A adolescência revisitada

Robert M.Sapolsky. A adolescência revisitada


Durante a adolescência, há um aperfeiçoamento constante da memória de trabalho, do uso flexível de regras, da organização executiva e da regulação inibitória frontal (por exemplo, alternância de tarefas), bem como nas tarefas de mentalização (compreender a perspetiva de outra pessoa, etc.).


Procuro as últimas sobre a (biologia/neurociência da) adolescência, em Robert M.Sapolsky, Comportamento (Temas e Debates, 2018) e começo por me deparar com uma conclusão que ratifica o que havíamos lido no mais recente livro de Daniel Sampaio sobre o assunto: "a maioria de nós passa por ela [a adolescência] sem grandes problemas"(p.198). A adolescência não é, garante o Professor de Biologia e Neurologia na Universidade de Stanford, uma invenção do Ocidente (moderno): por um lado, a neurobiologia sugere, mesmo, a existência de um período específico do/no humano (que corresponde ao que chamamos adolescência); por outro, a maioria das culturas tradicionais reconhece a adolescência como algo – um período da existência – distinto. Ou seja, há assim como que uma ratificação biológico-cultural da adolescência.

Significa isto que não há nenhuma especificidade ocidental (moderna) no encontro com a adolescência? Em realidade, o que distingue a abordagem ocidental da adolescência são dois traços essenciais: i) o mais longo período da adolescência encontra-se aqui (no Ocidente); ii) e sociedades individualistas, como as ocidentais, erigiram a adolescência em chave de choque de gerações (o que se não verifica em sociedades coletivistas).
No nosso cérebro, o córtex central não se encontra completamente conectado antes dos vinte e poucos anos. E é por isso, segundo o investigador, que é na adolescência e no início da vida adulta – quando se dá a máxima atracão ao risco, busca de novidades e afiliação com outros iguais – que se tem a maior probabilidade de: matar, ser morto, sair de casa para sempre, inventar uma nova forma de arte, ajudar a derrubar um ditador, fazer limpeza étnica num vilarejo, devotar-se aos necessitados, tornar-se um viciado, casar-se com alguém fora do grupo, transformar a física, ter um gosto terrível para a moda, partir o pescoço num desporto, dedicar a sua vida a Deus, roubar uma velhinha. "Tudo isso por causa de um córtex frontal imaturo", isto é, os adolescentes, ao nível cerebral, ativam o córtex pré-frontal em menor grau que os adultos; menor atividade, pior avaliação de riscos (pp.197 e 203). Quando olhamos para cada uma das ações vindas de descrever, no período de vida em análise, temos, portanto, como que uma indicação de que se não trata, apenas, em cada caso, de uma sabedoria ou uma canalhice; à boa maneira do tempo em que vivemos, há uma ancoragem biológica – e, certamente, uma extensa amostra estatística – para nos permitir observar o humano à luz do seu cérebro (e de ações/decisões, portanto, condicionadas, mesmo que aqui não se negue a humana liberdade). 
Segundo Sapolsky, os adolescentes não possuem a mesma habilidade dos adultos para detetar ironias – caso para perguntar, por estes dias tão pouco subtis, se, de facto, muitos adultos não estão a transformar-se em adolescentes.

Durante a adolescência, há um aperfeiçoamento constante da memória de trabalho, do uso flexível de regras, da organização executiva e da regulação inibitória frontal (por exemplo, alternância de tarefas), bem como nas tarefas de mentalização (compreender a perspetiva de outra pessoa – a aparência de um objeto a partir do ponto de vista de outra pessoa; ainda que os adolescentes, ao contrário dos adultos, continuem a ser melhores a assumir a perspetiva da primeira pessoa do que a da terceira). Com exceção do facto de o pico de massa cinzenta cortical frontal surgir primeiro nas raparigas, não há diferenças significativas entre os sexos no percurso do desenvolvimento do cérebro adolescente.

O livro de Sapolsky, confirma, cientificamente, o que todos os que passámos pelo período adolescente sabíamos: "adolescentes mais velhos experimentam as emoções de forma mais intensa que as crianças e os adultos" (p.202). Isto tem consequências muito práticas: "tire-se uma nota baixa numa prova e logo ocorre uma inclinação emocional em direção a «sou burro» (a reavaliação pode levá-lo a concluir que esteve com gripe, ou não estudou o suficiente, "em vez de uma consequência da sua incorrigível natureza", p.202).

De modo oposto a este, e como demonstrado experimentalmente, questionados voluntários adultos e adolescentes sobre a probabilidade que estimam existir de vencerem a lotaria ou de se morrer), temos que os adolescentes e os adultos convergem na internalização da informação positiva, mas ignoram as informações negativas: "acabámos de explicar por que razão as taxas de jogadores patológicos entre adolescentes são de duas a quatro vezes mais altas que entre adultos. Portanto, os adolescentes tomam atitudes mais temerárias e são péssimos na avaliação dos riscos" (p.204). Não é que os adolescentes não queiram evitar atitudes de risco; é que os adultos se contêm melhor por causa da maturidade cortical frontal. Na adolescência, há uma procura por novidades – predileções e fixação de gostos na música, comida, moda, abertura a novas experiências – que no futuro – noutras etapas da vida – irá declinar (em boa parte dos indivíduos). Esta busca de novidades na adolescência dá-se também entre os roedores, sendo intensa nos primatas.  O que se demonstra, igualmente, de modo experimental, é a vulnerabilidade dos adolescentes à pressão dos amigos (p.207). Porquê esta pressão? Os adolescentes são mais sociais e têm relações mais complexas do que crianças ou adultos. Há uma necessidade desesperada de pertencer ao grupo. Aumenta a probabilidade de violência, uso de drogas, crime, sexo sem proteção, maus hábitos de saúde (p.208). A rejeição dói mais nos adolescentes. Os julgamentos morais dos adolescentes não atingiram ainda os níveis dos adultos. Em vez das decisões igualitárias das crianças, passam a tomar decisões meritocráticas. Se distinguirmos entre simpatia e empatia, entre sofrer por alguém que está sofrendo e sentir como essa pessoa, então diremos que "os adolescentes são especialistas nessa última, na qual a intensidade de se sentir como o outro pode levar quase a ser o outro (p.212). A recompensa dos que crêem no livre-arbítrio não deixa aqui de ser chamada, quando pensamos que existindo, ontem como hoje, aqueles que com a dor do outro se identificam – na adolescência, que é disso que aqui se cura -, muitos são também os que assim não fazem/agem/sentem (o determinismo cerebral tem os seus limites). 

Os genes ou a cultura, afinal e em definitivo? "Por ser o último a amadurecer, o córtex frontal, por definição, é a região cerebral menos limitada pelos genes e mais esculpida pela experiência. Tinha de ser assim, para que fôssemos essa espécie social tão absurdamente complexa que somos. De maneira irónica, tudo indica que o programa genético do desenvolvimento cerebral humano evoluiu para, tanto quanto possível, libertar dos genes o córtex frontal" (p.217). Os indivíduos que sentem mais intensamente o(s) problema(s) do outro têm menos probabilidade de tomar uma atitude pró-social (p.213). O período entre o final da adolescência e o início da idade adulta representa o pico da violência.