Apresentador, entrevistador, Larry King era um dos rostos mais conhecidos da televisão norte-americana. Não era ele a estrela, pelo menos assim julgava o homem preferia entregar esse lugar aos seus entrevistados. Presidentes, todos entre os mandatos de Ford e Obama, figuras públicas ou menos públicas, pelos seus programas passaram todos (ou quase), e passou também a História da América, numa carreira que, da rádio e da televisão, onde se celebrizou uma figura que se apresentava sempre de suspensórios, às plataformas digitais que abraçou nos últimos anos, se estendeu por 63 anos.
Isso mesmo lembrou na sua morte a ORA TV, plataforma de televisão on-demand lançada pelo próprio em 2012 em parceria com o empresário mexicano Carlos Slim. “Embora o seu nome aparecesse no título dos programas, Larry olhava sempre para os entrevistados como as verdadeiras estrelas e para si mesmo como um mero condutor entre convidado e audiência”. E acrescentava o comunicado que dava conta do desaparecimento de um dos rostos mais queridos da TV norte-americana: “As entrevistas de Larry, seja no Larry King Live, na CNN, ou nos seus programas na Ora Media Larry King Now ou ou Politicking with Larry King são referidas por meios de comunicação de todo o mundo como parte da história do final do século XX e início do século XXI”.
Foram mais de 50 mil as entrevistas que realizou. E foi sobretudo na CNN, ao comando do programa que, carregando o seu nome, manteve por mais de 25 anos, Larry King Live, que construiu essa sua reputação. Nos seus melhores anos, reunia, todas as noites, milhão e meio de famílias. O programa seria extinto em 2010, numa altura em que as audiências eram já mais reduzidas mas em que o programa seguia como o mais antigo da CNN a manter o seu anfitrião original. Disse Obama sobre o homem que o entrevistava nessa despedida da estação que aos americanos King abriu novos horizontes: “Abriu-nos os olhos para o mundo para lá das nossas salas de estar”.
Nascido a 19 de novembro de 1933 em Brooklyn, Nova Iorque, filho de judeus ortodoxos da atual Bielorrússia emigrados para os Estados Unidos no início da década de 1930, Lawrence Harvey Zeiger estudou num liceu público de Brooklyn. Depois da morte do pai, vítima de um ataque cardíaco, perdeu o interesse pelos estudos, que deixaria para começar a trabalhar para ajudar a sua mãe. Com um sonho já nesse tempo: o de chegar à rádio. Terá sido um locutor da CBS que conheceu por mero acaso a aconselhá-lo a procurar uma oportunidade em Miami, na Florida, onde o mercado de media estava em franco crescimento. Depois de várias tentativas, a WAHR, uma pequena estação local de Miami Beach que continua a existir renomeada WMBM, contratou-o como faz-tudo — incluindo limpezas. A saída abrupta de um dos locutores foi o que lhe permitiu chegar pela primeira vez ao microfone da WAHR. Em 1957, foi-lhe entregue o posto de disc jockey no período da manhã, mas depressa chegou aos noticiários da tarde. Zeiger era um nome difícil de memorizar, diziam-lhe, e foi por isso que um dia, minutos antes de entrar no ar, decidiu passar a apresentar-se como King, depois de olhar para um anúncio a um licor com esse mesmo nome nas páginas do Miami Herald.
Primeiro na rádio, depois na televisão, por Miami foi ficando. O sucesso que obteve na telvisão local atribuiu-o o próprio ao apoio de Jackie Gleason, que manteve a partir de 1964 um programa nacional de variedades gravado a partir de Miami Beach. “Fazia esse programa e ficava a noite toda comigo. Ficava até às 5 da manhã. Não gostava do set, por isso entrámos pelo gabinete da direção para mudar o set. O Gleason mudou o set, mudou as luzes, e transformou-se numa espécie de mentor para mim”.
Quando chegou à CNN, em 1985, o programa que levava consigo era já uma reedição do The Larry King Show que na Mutual Broadcasting System era emitido de segunda a sexta, ao final da tarde, e que manteve entre 1978 a 1994.
De saúde há muito frágil — sofria de diabetes e nos últimos dez anos superou um ataque cardíaco que o deixou em coma durante várias semanas e dois cancros — Larry King morreu neste sábado, aos 87 anos, no hospital Cedars-Sinaim de Los Angeles, onde estava internado desde que no final de dezembro, depois de ter testado positivo à covid-19.