Moçambique. Perante um ciclone que faz lembrar o Idai

Moçambique. Perante um ciclone que faz lembrar o Idai


A cidade da Beira voltou a ser atormentada por um brutal temporal, com casas, escolas e mercados destruídos. Teme-se a fome, a especulação e o alastrar da covid-19, que passou para segundo plano.


O centro de Moçambique voltou a ser fustigado por um ciclone, desta vez apelidado de Eloise. O temporal, que ganhou força no calor do oceano Índico, atingiu o continente em Sofala, este sábado, com rajadas de vento de até 160 km/h, chuvas torrenciais e cheias. Morreu pelo menos uma criança, afogada no bairro de Munhonha, na província da Zambézia, e 12 pessoas ficaram feridas, segundo as autoridades. Casas, escolas, igrejas e mercados foram destruídos, quando muitos habitantes tentavam recuperar da tempestade Chalane, há umas semanas; outros nem tinham recuperado do ciclone Idai, o maior no país desde que há registo, que fez mais de 600 mortos em 2019, e foi seguido pelo ciclone Kenneth, menos de um mês depois. 

Para quem viveu ambas as tragédias, a sensação é de déjà-vu. O ciclone Eloise “aproximou-se até ao nível do Idai, foi mesmo para arrasar”, conta Inácio Alberto, gestor de uma empresa informática na Beira, capital de Sofala, ao telemóvel com o i.

Mais uma vez viram-se destroços e telhados de zinco a cruzar os céus da Beira como lâminas rodopiantes, entre casas desabadas, engolidas pelas águas. Muitos desalojados do Idai, Kenneth e Chalane viram as suas tendas destruídas e foram obrigados a fugir para o centro da cidade, refugiando-se em escolas secundárias. Faltou a eletricidade, mas pelo menos as comunicações foram rapidamente reparadas – ao contrário do que se viveu durante o Idai, quando as comunicações ficaram em baixo durante semanas. 

“Como estou no centro da cidade, não sofri tantos estragos. Só entrou água na varanda, mas a rua à frente de minha casa ficou toda alagada. Nas zonas rurais, a água continua lá, enquanto continua a chover, e os rios estão a transbordar”, lembra Alberto.Talvez a região onde desagua o rio Búzi, a sul da Beira, seja onde se vivem as piores condições. No domingo era dos poucos pontos onde as autoridades não conseguiam restaurar a rede elétrica, devido a vastas extensões de território alagado. 

Com estradas cortadas e pontes caídas, o grande receio na Beira, muito dependente de bens trazidos do sul, é agora a falta de alimentos. Alberto conseguiu abastecer a despensa na véspera do temporal, mas foi por um triz – o centro comercial onde foi às compras ruiu este sábado.

“Vai haver um aumento dos preços na zona centro, disso não há dúvidas. Os poucos que conseguirem trazer alimentos vão controlar o mercado”, avisa o gestor informático. Viu-se algo semelhante logo após o Idai, com venda de comida à beira da estrada, a preços especulativos. 

Ao desastre e receios de fome soma-se um potencial alastrar da covid-19, com tantas famílias juntas, nas suas casas ou em centros de acomodação. “Sinceramente, com toda esta situação da Eloise, as medidas básicas ficaram esquecidas”, lamenta Alberto. “Nos centros de acomodação, as pessoas enfrentam dificuldades tremendas. Primeiro pensa-se no abrigo, depois na alimentação. E só se pensa na covid em última instancia”.