Faltam quatro dias para as eleições presidenciais e já se antevê uma grande abstenção. Os candidatos presidenciais têm adaptado as suas campanhas, há quem até esteja disponível para suspender a campanha, se for caso disso, mas, por agora, a democracia não está suspensa. E esta foi a mensagem dada pelo Presidente em funções, Marcelo Rebelo de Sousa. Porém, a história recente em eleições presidenciais (em que o inquilino em Belém é recandidato) diz-nos que a abstenção bate recordes na reeleição. Mais, os números críticos da pandemia de covid-19 introduzem (ainda) mais incerteza.
Para o politólogo e professor universitário da Universidade de Aveiro Carlos Jalali, “a abstenção oficial pode bem exceder os 60%”. Em declarações ao i, o especialista aponta três motivos: o recenseamento automático dos emigrantes, com tradição de alta taxa de abstenção, o facto de estas eleições poderem não ser muito competitivas, por se tratar de uma possível reeleição e, por fim, a incerteza que a pandemia pode introduzir nos eleitores, com receio de irem às urnas. Mas já lá vamos.
Amiúde, os candidatos começam a ser confrontados com o cenário de uma alta abstenção. Marisa Matias, candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda, foi confrontada ontem com a questão sobre a legitimidade de um Presidente da República que seja eleito apenas com 40% da população a votar. Na resposta, a também eurodeputada do BE respondeu: “Não podemos desvalorizar a democracia em nenhum momento. Se nós garantirmos às pessoas todas as condições, todas as normas, é uma forma de valorizarmos também e respeitarmos as pessoas”, disse, citada pela Lusa.
Também o candidato apoiado pela Iniciativa Liberal, Tiago Mayan Gonçalves, considerou que “de facto, chegamos a uma fase em que apenas podemos apelar às pessoas que, mesmo neste contexto tão difícil, possam ir exercer o seu direito de voto”. Por seu turno, João Ferreira, candidato apoiado pelo PCP e pelo PEV, admitiu cancelar ações de campanha, mas tudo dependerá das próximas horas e do evoluir da pandemia. E o presidente em funções, Marcelo Rebelo de Sousa, o que fará?
O recandidato presidencial explicou aos jornalistas, em direto para as televisões, que “uma coisa é ponderar a resposta à pandemia, outra coisa é suspender a democracia, e a democracia não se deve suspender”. Ou seja, os “portugueses devem votar no domingo”. Mais, “basta que a abstenção atinja 70% para tornar quase inevitável uma segunda volta, porque a abstenção pune em função da intenção de voto nos vários candidatos, atinge mais os que têm mais intenção de voto”, atirou Marcelo, citado pela Lusa.
Ou seja, Marcelo Rebelo de Sousa sinalizou que está preocupado com a abstenção, que o penaliza, e que há riscos. Ontem, a antiga dirigente do PSD e ex-ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz introduziu um novo alerta no debate: “Este quadro de circunstâncias poderá, se se confirmar uma enorme abstenção do eleitorado mainstream do PS e do PSD e o acesso às urnas em massa dos indefetíveis partidários dos candidatos que se apresentam como radicais – pelo menos na violência do verbo e das ideias –, provocar um estranho resultado e uma segunda volta que, a acontecer, será cheia de embustes e propensa a dividir os portugueses num momento em que o cimento da coesão tem de prevalecer”, escreveu no Público. A ex-governante aludia à experiência em eleições autárquicas em França, em plena pandemia, em 2020.
Mas vamos ao que se conhece. Para Carlos Jalali, a abstenção pode disparar porque há sempre que ter em conta a história dos números entre emigrantes. Nas últimas eleições, a abstenção foi de 95%. Acresce que o recenseamento é automático para os “portugueses que estão no estrangeiro”, o que faz disparar também o número de recenseados.
Depois há um segundo elemento: a “tendência em eleições em que um Presidente se recandidata é a de haver uma redução da participação eleitoral: em média, votam menos um milhão de eleitores”. E é assim desde a reeleição de Mário Soares como chefe do Estado em 1991.
“Há aqui uma espécie de efeito de ioiô. Há uma eleição em que ninguém é recandidato e a abstenção desce; depois há uma eleição em que há um recandidato e a abstenção sobe”. Porém, o politólogo avisa que “estes padrões não determinam o futuro. Está nas mãos dos eleitores reverter este padrão”. O especialista lembra ainda que pode haver um efeito com impacto na abstenção: “Uma maior polarização política, embora as sondagens digam que é uma polarização que não vai determinar o resultado eleitoral” – ou seja, quem será o novo Presidente da República.
Por fim, há ainda um terceiro elemento: o efeito da pandemia. Neste quadro, Carlos Jalali recorre a trabalhos internacionais onde existem dois dados objetivos: “A pandemia não reduz necessariamente a participação eleitoral e um dos efeitos apontados é o de que as pessoas estão mais interessadas nas decisões coletivas, nos problemas coletivos. Mas, por outro lado, onde o efeito da pandemia foi mais alto, sobretudo em mortalidade, a participação eleitoral diminuiu mais”. As contas fazem-se no dia 24.