Se antes a comunidade científica pensava que os efeitos eram passageiros, atualmente admite que podem prolongar-se por variados meses. Covid-19 de longo prazo é o nome do fenómeno que afeta cada vez mais pessoas que estiveram infetadas com o novo coronavírus.
“Se formos ao site da Organização Mundial da Saúde e pesquisarmos pelos sintomas da covid-19, eu tive ou tenho todos”, começa por explicar João (nome fictício), de 39 anos, que trabalha no setor da restauração. Prefere não revelar a identidade verdadeira por entender que “este vírus é encarado como a nova Peste Negra”. Por ser diabético desde criança, a febre, a tosse seca e o cansaço aliaram-se às dificuldades respiratórias e à pressão no peito, tendo sido internado num Hospital da Grande Lisboa durante duas semanas.
“Estive na enfermaria, felizmente não precisei de ir para os cuidados intensivos”, relata. “Tenho de ser sincero, o pior já passou, mas a verdade é que, estando longe do hospital desde o fim de outubro, continuo a sentir falta de ar, acima de tudo, quando faço tarefas que antes eram executadas sem grande esforço, como subir as escadas do meu prédio com sacos de compras”, refere.
João não voltou a recorrer a qualquer instituição de saúde, porém telefona regularmente ao médico de família. “Ele entende o meu medo e é muito compreensivo. Sabe que sou doente de risco e tem paciência para me ouvir e ajudar”, remata.
O empregado de balcão tem razões para sentir que a covid-19 ainda não é um inimigo que tenha derrotado. De acordo com um estudo levado a cabo pela Universidade de Leicester, no Reino Unido, em colaboração com o Office Of National Statistics, quase um terço dos pacientes covid-19 recuperados são hospitalizados no espaço de cinco meses após terem alta e, destes, 12,3% acabam por morrer.
É igualmente de realçar que, dentro deste mesmo grupo, 29,4% tiveram de voltar a ser internados no hospital, enquanto 29,6% foram diagnosticados com doenças respiratórias.
“Os sintomas podem persistir durante meses” Michele Pereira Otão não esteve hospitalizada, mas os 17 dias que esteve em casa, sozinha, e “praticamente sem comer”, com a restante família também em isolamento, assustaram-na suficientemente para desejar nunca mais ouvir falar da covid-19.
A mulher de 48 anos, residente em Loulé, é asmática e, tendo tido “muita tosse”, era contactada diariamente pelo centro de saúde. Um dia acabou por ser encaminhada para o Hospital de Faro.
“Fui de ambulância e literalmente andei a passear porque fiz a triagem, atribuíram-me a pulseira amarela e, ao fim de quatro horas, tive de ir perguntar o motivo da demora”, avança a mulher, que testou positivo a 28 de dezembro. Somente aí foi informada de que havia recebido alta dez minutos após a triagem.
“Percebi que não me iam sequer observar. Precisava, principalmente, que me vissem os pulmões, pois continuava com febre e tosse”, refere. Esperou mais quatro horas pela chegada da ambulância que a levaria a casa. “Queria comer, mas não me podia aproximar das máquinas de venda porque estava positiva e sentia-se um frio horrível”.
Segundo o estudo da Universidade de Leicester, entre as pessoas que regressam ao hospital com queixas respiratórias, mais de metade não tinha problemas desse tipo anteriormente. Mesmo não tendo sido hospitalizada, Michele continua sintomática.
“Tive alta dia 13 de janeiro, mas não me livro dos sintomas. Já me disseram que podem persistir durante meses. Estou agoniada a toda a hora, sinto-me cansada até para tomar banho, quando tusso fico com dores no esterno, tenho dores nos olhos – com comichão ou a correr água – insuportáveis, continuo com falta de paladar e de olfato”, desabafa.
Olfato e paladar a 50% ”No dia 24 de outubro, a minha avó, começou a ter febre e vómitos. Descartámos a hipótese de ser covid-19 por um simples motivo: porque já tinha sido dada como positiva em setembro”, descreve Inês Ribeiro, de 27 anos, jornalista desportiva no Canal 11 e natural de Vila do Mato, no concelho de Tábua, em Coimbra.
“Sendo os casos de reinfeção raríssimos, achámos que não seria o coronavírus. Ligámos para o SNS24 e disseram-nos que seria melhor chamarmos o 112. Explicaram-nos que estava com uma infeção urinária e ninguém cá em casa tinha sintomas. O delegado de saúde disse para ficarmos tranquilas porque devia ter restos do vírus da primeira vez”. Mas a notícia não tardaria em chegar, após Inês ter realizado os testes, juntamente com os familiares, nos dias 27 e 28 de outubro.
“Demos positivo, só o meu pai deu negativo. E quando eu soube que estava positiva, comecei a ter a falta de paladar e de olfato também. Foi muito repentino”, continua. No dia em que foi diagnosticada com a doença, pela hora de almoço, sentia que não saboreava os alimentos e, quando foi lanchar, teve a noção de que “tinha perdido ambos os sentidos por completo”.
Nos dias anteriores, a jovem sentiu que havia tido “um género de congestão nasal”, mas associou-a à mudança de temperatura. Teve alta no dia 13 de novembro e, até essa data, recebeu telefonemas diários dos centros de saúde de Tábua e de Arganil. “Nesse aspeto, fomos muito bem acompanhados e não temos uma única crítica a apontar”, esclarece.
As conclusões do estudo do Reino Unido são claras: ainda não se conhece o alcance e a extensão das consequências de ser infetado com covid-19. Porém, Inês tem sequelas. “Continuei sem os dois sentidos até há bem pouco tempo e, atualmente, diria que estão mais ou menos a 50%.”, menciona.
“A maior sequela foi ter perdido a minha avó e não me poder despedir dela porque estava infetada quando ela faleceu. Tinha 95 anos, era rija e já tinha passado por muito. Veio a covid-19 e levou-a”, lembra a jornalista. E lança um apelo: “Não desejo a ninguém ter de assistir ao funeral de um ente querido através do Zoom. É uma mágoa que vou levar comigo para sempre. E acho que as pessoas deviam ganhar consciência de que os seus atos podem colocar os outros em risco”.