Manuel Lemos não tem dúvidas: os idosos são os mais afetados pela pandemia e, por terem geralmente doenças associadas, o número de óbitos tem vindo a aumentar. O presidente da União de Misericórdias Portuguesas lamenta que já se ache “normal” morrerem 100 pessoas por dia e acusa o Estado de não responder às necessidades desta faixa da população. Reconhece que a situação pandémica é ainda mais grave nos lares ilegais, uma realidade que há muito se conhece, mas à qual, por falta de resposta, o Estado prefere “fechar os olhos”. Em relação às eleições, defende que o dever cívico tem de ser cumprido e respeitado e, tal como se faz nas prisões e nos hospitais, os votos têm de ser recolhidos nos lares. “Não há nenhum provedor com bom senso que leve os utentes a votar”, garante. Acha que o plano de vacinação está a correr bem, apesar de o número de vacinas continuar muito aquém das necessidades. Concorda com a opção de não pôs os idosos na linha da frente da vacinação, por considerar que não só foi a que deu mais garantias como o facto de se dar primazia aos médicos afastou “muitas dúvidas legítimas que muitas pessoas tinham em relação aos efeitos colaterais da vacina”.
Em abril classificou a situação vivida nos lares como “dramática”. Neste momento o problema está ainda mais descontrolado?
Desde abril até agora andamos a fugir ao bicho, mas no fundo todos temos a noção que não nos conseguimos esconder. Podemos ir conseguindo escapar, até que há um dia em que somos apanhados. E, por isso, acho que a grande esperança que temos é a vacina porque esta representa, de alguma maneira, a inversão desta situação para passarmos ao ataque. Isto é, deixamos de nos esconder para tentarmos matar o vírus. No entanto, enquanto não conseguirmos isso, enquanto a nossa imunidade for muito baixa tanto em termos de comunidade como em termos pessoais, a situação vai ser cada vez mais dramática porque o vírus já vimos que é inteligente, adapta-se. Esta nova estirpe que vem de Inglaterra aparentemente é muito mais transmissível e, portanto, a situação hoje é muito, muito grave. Esta terceira vaga tem sido terrível para as pessoas porque é muito mais mortal. Esta semana tivemos quase sempre óbitos acima dos 100 por dia e já parece normal uma coisa tão anormal. A situação é muitíssimo complicada.
Assistimos quase diariamente a surtos em lares…
Sim, todos os dias.
Podíamos ter aprendido alguma coisa para evitar estas situações?
Não conseguíamos. É muito difícil. Continuamos a ter muitos surtos, apesar de termos aprendido algumas coisas do passado. Caso contrário, ainda teríamos muito mais. Onde é que a coisa esteve menos bem? Foi com o alívio que demos no Natal e no Ano Novo. Nem estou só a falar do Natal, mas naqueles dias, em que tomamos algumas medidas que obviamente não foram as melhores. A medida dos supermercados de fecharem às 13h da tarde levou a que as pessoas fossem todas ao supermercado na metade das horas. Há cerca de 15 dias fui a um supermercado e vim-me embora, mas ainda deu para ver as pessoas a mexerem na fruta, nos produtos, etc. Tudo isso é normal, mas se calhar teria sido melhor alargar os horários durante a semana e fechar ao fim de semana, por exemplo. Agora essa concentração de horários foi horrível e o que aconteceu é que o vírus passou a vir da comunidade para os lares. E como as pessoas que estão nos lares são pessoas muito frágeis, a velocidade de propagação é muito rápida. Uma velocidade de contágio de 10 mil por dia é enorme. O que é que acontece? Nos idosos também se propaga entre eles, só que com uma consequência terrível: como são muito mais frágeis, o número de óbitos dispara nesta faixa etária.
Não só pela idade mas por causa dos problemas de saúde…
Sim. Estou a falar na idade porque a idade tem geralmente efeitos associados, nomeadamente doenças crónicas. É normal que as pessoas de idade tenham outros problemas de saúde. A situação é muito preocupante, principalmente porque o o vírus vem de fora para dentro dos lares.
Isso significa que quem contamina são os trabalhadores?
São os trabalhadores, sem dúvida nenhuma.
Mas são obrigados a fazer testes com alguma regularidade?
São. Mas estamos a falar daqueles 10 dias a seguir ao Natal e ao Ano Novo, que contaminaram a comunidade toda. E mesmo fazendo testes à entrada o vírus passa. Não há nada a fazer.
Os utentes dos lares estão assustados com esta situação?
Não estão em pânico, mas estão muito preocupados. E nós estamos tão preocupados quanto eles. Não nos agrada nada esta situação e, por isso, hoje com a rotina que temos de proteção, a nossa pressão é que venham as vacinas rapidamente.
Numa situação em que os trabalhadores e utentes estão contaminados, a solução numa situação dessas passa por recorrer a voluntários?
A situação tem-se agravado brutalmente. E porquê? Porque ao princípio havia uma elevadíssima percentagem de utentes contaminados e uma pequeníssima parte de trabalhadores infetados. Hoje essa percentagem é muito mais equilibrada. E porque é que é muito mais equilibrada? Porque são os trabalhadores que trazem o vírus. Estou-me a lembrar de duas ou três misericórdias que, como têm o tal sistema de proteção, conseguiram identificar a tempo dois ou três trabalhadores para evitarem surtos. Os trabalhadores estavam positivos, mas ainda não tinham tido tempo de transmitir. Além disso, o vírus é muito traiçoeiro porque a pessoa pode estar infetada, mas só ao sétimo ou oitavo dia é que dá por ela. Isso significa que andou oito dias a trabalhar dentro do lar, convencida que não estava infetada e afinal já estava.
É a tal raposa dentro de um galinheiro, como já tinha alertado.
É. E isto é dramático porque os trabalhadores, logo que são identificados, são enviados para casa, mas depois levanta outro problema, que é quem os substitui. Pode-me dizer que são as brigadas, mas apesar de todos os esforços que a Cruz Vermelha tem feito, e não tem sido por falta de dinheiro, só conseguiu arranjar 400 ou 500 pessoas. Ou seja, não conseguimos colmatar essa falta de pessoas. E nos territórios de baixa densidade não há ninguém: há só aquelas pessoas e mais ninguém.
E voluntários?
Por cada caso de sucesso há 50 de insucesso. Não podemos falar de recorrer a voluntários por causa de um caso de sucesso. Uma coisa é ser-se voluntário em Lisboa ou no Porto, outra coisa é ser-se voluntário em Vimioso. Como e quem é que vai para o Vimioso quando estamos a falar de uma distância de 300 quilómetros? No Vimioso não há mais pessoas, além daquelas que já lá estão. Nos centros urbanos é mais fácil arranjar voluntários do que no interior. No interior tudo funciona quando há trabalhadores, mas quando estes são os primeiros a serem contaminados, a situação fica muito difícil.
Também chegou a criticar a falta de médicos e de enfermeiros. Essa situação ainda se mantém?
Esse continua a ser um grande problema e que está em alta velocidade porque entretanto o Estado requisitou todos estes profissionais. Esta semana a ministra da Saúde já falou em requisição civil. A falta de profissionais de saúde é atroz. Alguns líderes políticos dizem que tem de existir mais médicos e enfermeiros. Gostava de saber onde estão esses profissionais para os irmos buscar. Não há. Portugal descuidou esta situação durante muitos anos e quem não tem responsabilidades exige essas coisas e quem tem responsabilidades está verdadeiramente atrapalhado.
Durante muitos anos assistiu-se à emigração de enfermeiros, por exemplo…
Emigraram tanto que até houve um que tratou Boris Johnson. Há dias estava num webinar europeu sobre a realidade dos lares e estava um jovem que me fez um sinal e depois mandou-me uma mensagem a dizer que era português, era enfermeiro e estava a trabalhar num lar fora do país. Como não pagávamos muito bem aos nossos profissionais e os outros países pagavam lindamente, foram-se embora. E agora andamos atrás do prejuízo. E do lado do Governo todos já percebemos que não há recursos. Onde estão os recursos do Governo? Não tem e como não os tem é quase impossível ter uma linguagem que não seja a da verdade. Como tal, deve dizer: “Todos os nossos recursos humanos estão comprometidos porque ou estão a trabalhar ou estão doentes. E portanto não há mais recursos humanos, não conseguimos contratar mais, nem temos capacidade económica para contratar enfermeiros e médicos fora”. É, por isso, que estamos numa situação gravíssima e em vários níveis estamos a fazer muito além do que seria quase exigível. Isso é verdade em relação a muitos médicos, com a maioria esmagadora dos enfermeiros, com os profissionais que tomam conta dos idosos e com os dirigentes das instituições que estão no terreno. A quantidade de provedores que conheço que se infetaram nos lares também é testemunha disso porque andaram a dar o corpo ao manifesto.
É um problema sem solução à vista…
A solução à vista é a vacina. É um hino à inteligência humana que, num espaço tão curto, tenha sido possível pôr cá fora a quantidade de vacinas que puseram. Agora é preciso encontrar rapidamente a nossa capacidade de vacinar. A vacinação está a correr bem no sentido em que o Estado acha que está a fazer um boa programação. Ou seja, o que tem estado programado tem sido feito. Não há críticas em relação a essa matéria. Só temos pena é que não haja mais vacinas para vacinar mais, mas a pressão mundial é muito grande.
A vacinação arrancou junto dos profissionais da saúde. Só na semana passada é que começou nos lares, nomeadamente em Mação…
Em Mação a situação não era muito dramática, embora no concelho de Mação fosse dramático. Esta questão teve algum simbolismo, porque em vez de começarem num grande centro urbano começou numa pequena terra no interior. Aliás, nem começou em Mação, foi em Carnidos, porque quando iam para Mação, o lar da Santa Casa da Misericórdia estava com um surto e foram para a Casa da Misericórdia de Cardigos, no mesmo concelho. Mas esta semana a vacinação está a decorrer normalmente, o número aumentou significativamente em termos de lares. Simplesmente não há resposta para a necessidade de todos. A estimativa da ministra é que os lares que não têm surtos estejam todos vacinados até ao final do mês.
É possível atingir essa meta?
Acho que em termos de organização é fácil porque as coisas estão a correr muito bem e penso que nestes cerca de 10 dias que temos de vacinação vimos que as rotinas correm muito bem. Aliás, já tínhamos muitas dessas rotinas porque estas equipas estão habituadas a ir aos lares fazer a vacinação contra a gripe. Mas o problema é sempre o mesmo: ou há vacinas ou não há vacinas.
Há países da Europa que começaram pela população mais idosa. Acha que Portugal devia ter seguido essa estratégia?
Isso não sou capaz de avaliar. Acho, no entanto, que todos os critérios são discutíveis e em todos há argumentos a favor. No nosso caso concreto, já que o Estado optou por esta solução, temos de olhar para o lado positivo. Se não tivermos os médicos vacinados então quem é que toma conta dos utentes? Mas depois temos outra coisa muito interessante: o facto de terem sido os profissionais da saúde os primeiros a serem vacinados também contribuiu para afastar muitas dúvidas legítimas que muitas pessoas tinham em relação aos efeitos colaterais da vacina. Tenho ouvido muitas pessoas que há um mês diziam que tinham dúvidas e agora já estão desejosos de serem vacinados porque até os médicos já foram.
Dá um sinal de confiança?
Era um sinal muito importante para ser dado à comunidade.
Tem ideia de quantos utentes já foram vacinados?
Na primeira semana foram vacinados cerca de 150 utentes em 25 concelhos. Esta semana já foram abrangidos cerca de 60 concelhos.
Fica muito aquém do número que é necessário…
Sim. E a par dos nossos lares há que contar ainda com os outros, além dos ilegais. Não sei qual é o número de lares ilegais que existem.
A pandemia veio destapar essa realidade. Todos sabiam da existência dos lares ilegais mas fechava-se
os olhos…
Certo. E porque é que há lares ilegais? Por várias razões, mas há uma que é fundamental: como o setor social não tem sido apoiado suficientemente pelo Estado e a comparticipação do Estado às pessoas em lares é muito baixo, isso obriga a recorrer a esses lares ilegais. Por um lado, como o Estado não investiu em lares e não desenvolveu parcerias no setor social, não há lares para o número de idosos que precisam. E depois, como a comparticipação é muito baixa, obriga a que o esforço das famílias seja maior. Ora, a solução para isso é o lar ilegal, porque não é obrigado a ter os recursos humanos que um lar legal tem, seja no setor social, seja no setor privado. E como não tem esses recursos humanos consegue ter preços mais baixos e o esforço da família é mais baixo. Isso acaba por contribuir para o aparecimento destes lares ilegais. A procura condiciona a oferta, ou seja, como há muita procura há muita oferta. Mas aqui não há dúvida nenhuma de que o culpado é o Estado. O Estado nem sequer faz a fiscalização que devia fazer porque não tem onde pôr os idosos. Só havia uma forma de resolver esse problema que era o Estado dizer ao setor social para fazer mais lares, mas o Estado não diz isso há mais de 10 anos. Como a demografia não hesita – todos os dias os velhos são mais velhos e há cada vez mais velhos – está aí o resultado.
Então a oferta legal é cada vez mais pequena…
É muitíssimo inferior em relação há 10 anos. Há 10 anos a população idosa era muito menor do que é hoje. E como a oferta baixou, e ainda por cima não houve nenhum incentivo por parte do Estado, já que este não fez nenhuma parceria correta com o setor no sentido de fazer mais lares, o resultado está à vista. Um lar legal é muito caro e como as pessoas não têm capacidade económica recorrem aos ilegais. Acha que o Estado não sabe onde estão 90% dos lares ilegais? Sabe, mas como não tem resposta fecha os olhos.
Acha que os lares ilegais foram mais afetados pela pandemia?
Acho que sim. Era fatal que fosse. Os surtos são mais pequenos porque esses lares ilegais também são mais pequenos. E sendo mais pequenos quando o surto chega apanha a família que toma conta do negócio, mais um ou dois trabalhadores e mais os utentes. Em muitos casos, como as famílias não podiam dizer que os utentes estavam num lar ilegal, levavam-nos para as urgência dos hospitais e foi assim que os donos dessa atividade ilegal resolveram o problema. Isso na maioria dos casos – é claro que houve exceções. E não se esqueça que ao serem mais baratos também não têm os quadros técnicos. Normalmente o que se passa é que um senhor e uma senhora encontraram esse nicho de mercado, às vezes têm filhos e envolvem-nos naquilo e depois contratam uma ou duas pessoas baratas para tomarem conta de sete, oito, dez ou 12 idosos. De vez em quando, quando a situação é muito grave, o Estado vai lá, fecha, mas uma semana depois é capaz de voltar tudo à normalidade.
Muitas vezes diz-se que abrem na porta ao lado…
Quando são obrigados a fechar é isso que acontece, acabam por abrir ao lado.
Mas apesar de todos os problemas é uma situação que se vai manter…
Claro. Se não existir uma alteração da sociedade portuguesa em relação às políticas de envelhecimento – e temo que não haja – a situação mantém-se. Não é só alterar as políticas dos lares, é a política do envelhecimento. As pessoas que estão nos lares são cada vez mais pessoas com demência. Se uma pessoa é idosa, mas está lúcida, a família, mesmo com muita dificuldade, consegue mantê-la em casa. Mas se essa pessoa tiver demência não pode. É por isso que é imperioso que o Estado português olhe para as políticas de envelhecimento em Portugal, caso contrário, isto é cíclico. Cada vez que aparecer um vírus qualquer, a situação repete-se.
E não estamos livres de aparecer outra pandemia…
Pode ocorrer a covid-20, ou 21. Não sei. Se a teoria da conspiração de que o vírus é feito em laboratório se confirmar, então vai haver outra pandemia e não fomos capazes de resolver o problema de maneira nenhuma.
Em relação aos testes. O problema da falta de testes já foi ultrapassado?
Agora não há falta de testes, mas são caros. A Segurança Social faz agora testes cíclicos num conjunto grande de instituições e isso tem permitido perceber que há uma série de colaboradores com testes positivos e dá força à ideia que são os colaboradores que estão a trazer o vírus para dentro dos lares. Diria que ainda não há testes suficientes, mas melhorou bastante.
A solução apontada era testar, testar, testar.
Mas não ouço parar, parar, parar. Quando se faz a gestão política de uma situação sanitária é sempre pobre porque a realidade da situação sanitária vem sempre ao de cima. Agora também sei que para muita gente convém não ter tantos infetados e então optam então por parar os testes um bocadinho. As pessoas não se deixam de infetar porque pararam de fazer testes, deixamos é de saber quantas pessoas estão infetadas. Isso é uma coisa diferente e depois quando começa a chegar muita gente aos hospitais, começa a existir óbitos, começam a existir muitos surtos e então decidem voltar a testar outra vez. E de três mil contaminados passamos para seis mil infetados, de seis mil passamos para 10 mil. E depois instala-se o pânico. O ideal seria testar sempre ao mesmo ritmo, mas não isso não se faz porque há agendas políticas.
As visitas continuam suspensas…
Sim. Não é por aí. As regras têm sido rigorosas e não houve nenhum facilitismo, nem sequer no Natal. Só é mais complicado quando os doentes têm de ir ao hospital ou têm de fazer diálise e, nesses casos, têm de sair. Nessas alturas aparecem alguns casos. Aliás, a seguir aos colaboradores, a segunda causa de contágio são as idas aos hospitais.
Até estarem todos vacinados temos um longo caminho pela frente…
Sim. Não vão faltar notícias, infelizmente. Mas se houver um reforço de vacinas será mais rápido ultrapassar essa situação.
Estamos em vésperas de eleições. Como viu as várias soluções que foram sendo apresentadas?
Podem votar desde que não saiam dos lares. Acho que a Comissão Nacional de Eleições esteve bem quando fez um apelo aos idosos para votarem, depois não andou tão bem quando achou que podiam deslocar-se às secções de voto. Era impossível. Como já se faz isso nas prisões não é nada que a Comissão Nacional de Eleições não conheça. E quando disseram que podiam voltar para os lares sem fazer quarentena foi um disparate. Não fazia sentido nenhum. Montando uma mini-secção de voto num lar com o presidente da Câmara, ou com o presidente da Junta, facilmente recolheriam os votos em 15 minutos porque nem todos querem votar, mas aqueles que querem votar podem assim exercer o seu direito de cidadania. Andamos a dizer que nada vai ficar como antes e depois não mudamos nada? É de rir. Estes idosos que estão nos lares são as pessoas que no 25 de abril tinham 30 ou 40 anos, habituaram-se a ir votar. Não podemos defender a dignidade e a cidadania dos idosos e depois proibimo-los de irem votar. Então se há uma rotina de ir às prisões para os presos votarem, se há uma rotina de irem aos hospitais recolher votos e se a própria lei permite que as pessoas nas unidades de continuados possam votar, então porque é que não se podia estender isso aos lares? Não fazia sentido nenhum.
E há meios suficientes para isso?
Estive numa videoconferência esta semana com o presidente da Associação Nacional dos Municípios e ele disse que havia.
Mas há câmaras que dizem que não têm essa capacidade…
Isso é porque não querem trabalhar. Façam lá o favor de trabalharem um bocadinho. E se não tiverem condições que as arranjem. Não há nenhum provedor com bom senso que leve os utentes a votar. Para ter 70 pessoas – e estamos a falar de um lar médio e não um grande – a votar o que é que preciso? É preciso ter um representante da autarquia e, pelo menos, três representantes dos candidatos para garantir a imparcialidade do voto. Estamos a falar de cinco pessoas. Então não é mais fácil assim do que pegar nessas 70 pessoas e levá-las às meses de voto, pondo em causa a sua segurança? Não era possível.
A par dos idosos, as Misericórdias também cuidam de pessoas com deficiência. Tem chamado a atenção para o facto de ser mais difícil evitar o distanciamento. O problema da pandemia está agora mais controlado?
As coisas melhoraram e as pessoas perceberam aquilo que estávamos a dizer. Era impossível evitar que pessoas com deficiência se abracem, que se toquem, temos aí de ter cuidados redobrados ao máximo. Na União das Misericórdias temos três unidades – uma em Fátima, outra em Borba e outra em Viseu – e nas três já tivemos surtos e nas três fomos capazes de os controlar. Mas isso também prova outra coisa: é que o vírus também aqui não está dentro da unidade, vem de fora, porque eles continuam-se a abraçar e a tocar. A nossa experiência é que o surto não surgiu porque eles se abraçavam Mas porque os trabalhadores traziam de fora o vírus. Mas mesmo nestas circunstâncias conseguimos isolar as pessoas, fazendo mais testes.
As Misericórdias também dão apoio económico e social às pessoas mais carenciadas. Esses pedidos aumentaram nesta fase pandémica?
Sim. Nas zonas onde essas carências são tradicionalmente mais elevadas, aumentaram. É o caso do Barreiro e de Setúbal, onde se tem assistido a um aumento enorme de procura em relação às nossas cantinas sociais, etc. Tem aumentado brutalmente. O mesmo acontece em Lisboa e no Porto, em que os números são muito significativos. Há zonas que estão a duplicar, a triplicar. As misericórdias têm sempre mais trabalho em contraciclo. Se há menos desemprego as misericórdias têm menos trabalho, se há mais desemprego é o contrário. Mas estamos preparados para isso, sabemos fazer isso e fazemos isso com discrição.
E há verba para tudo?
Um estudo da Católica relativo a 2018 dizia que o custo da resposta andava à volta dos 38%. Achamos que em 2020 andou à volta dos 34% ou menos, ou seja, o modo da resposta tem de ser alterado e tem de ser corrigido com bases cientificas sérias e não sobre o valor do ano anterior. Isso não é nada. E ainda por cima trabalhamos sobre o valor anterior há 20 anos.
Também há a ideia de que os casos de sem-abrigo aumentaram…
Não tenho dados concretos, mas tenho essa noção.
Os imóveis do Estado e de outras entidades que não estão ocupados não poderiam ser usados para resolver esta situação?
Não, porque um verdadeiro sem-abrigo gosta de viver na rua. Parece uma coisa drástica, dramática, mas é a verdade. Trabalhei muito nesta matéria em Portugal, em Inglaterra, em França, e em todos estes países, os verdadeiros sem abrigo não se sentem bem se saírem da rua. Quando estava em Inglaterra até trabalhei com a princesa Diana.
As Misericórdias entraram no capital da Associação Mutualista Montepio para avançarem com um projeto social. Mas até à data nenhum projeto foi apresentado…
Nenhum projeto viu a luz do dia. Mas dá-me a impressão que neste momento o Montepio não está a ser capaz, ou, pelo menos, não foi até agora capaz de desenvolver um projeto deste género.
Mas dar uma resposta social fazia mais sentido nesta fase quando as necessidades são maiores…
Claro. Mas ainda não foi possível.