Reino Unido. “Chorei quando vi o espaço vazio”

Reino Unido. “Chorei quando vi o espaço vazio”


“No dia 4 de novembro, fechámos o hotel depois do pequeno-almoço”, conta-nos Inês Sousa, supervisora de restaurante numa unidade hoteleira na pequena vila costeira de Lyme Regis. Desde o início do terceiro confinamento no Reino Unido, trabalhou somente dois dias.


“Fomos mandados para casa sem saber quando voltaríamos. Estive em casa entre março e setembro de 2020 e a previsão era de que somente voltaríamos ao nosso quotidiano em 2021”, começa por explicar Inês Sousa, de 25 anos, natural de Samora Correia, no distrito de Santarém. Após meses de trabalho no Aeroporto de Lisboa, viveu os dois primeiros confinamentos portugueses e rumou ao Reino Unido. “Cansei-me e decidi mudar de vida”, confessa. Neste momento, vive o segundo de três confinamentos decretados pelo Governo de Boris Johnson.

 

Um salto de fé

A jovem de Samora Correia é um dos 165 mil portugueses, de acordo com os dados mais recentes do Observatório da Emigração, que vivem em Inglaterra.

Licenciada em Jornalismo pela Escola Superior de Comunicação Social, começou a trabalhar no El Corte Inglês, em Lisboa, em julho de 2018, e saiu da cadeia de lojas espanhola em abril do ano seguinte, quando tinha poupado dinheiro suficiente para tirar um curso de Inglês no New College Group, em Manchester. Ambicionava tornar-se hospedeira de bordo e o domínio da língua inglesa parecia-lhe fundamental para cumprir esse objetivo. De Manchester, partiu para a ilha de Guernsey, no Canal da Mancha, trabalhando no St. Pierre Park Hotel, Spa & Golf Resort.

Regressou a Inglaterra depois de falar com uma amiga que conhecera em Guernsey. “Ela é assistente administrativa e precisava de uma supervisora de restaurante na equipa dela. Nem pensei duas vezes. No espaço de apenas uma semana, comprei os bilhetes, fiz as malas e vim”, afirmou, lembrando que foi bem recebida pelos restantes colegas, em setembro, no The Royal Lion Hotel, na pequena vila costeira de Lyme Regis, em West Dorset.

“Todos foram extremamente prestáveis e ensinaram-me tudo aquilo que tinha de saber e, pelo meio, formaram-se amizades”, confessa. “Ir trabalhar era motivo de felicidade porque sabia que ia rir, conhecer novas pessoas e histórias”.

 

Do “caos” à acalmia

De acordo com o Visit Britain, o site oficial da autoridade inglesa para o turismo, os gastos com o turismo doméstico, no país, caíram 63%, de 75,9 mil milhões de libras (aproximadamente 85 mil milhões de euros) em 2019 para 28,5 mil milhões de libras (cerca de 31 mil milhões de euros) em 2020. No entanto, no início do seu percurso, a portuguesa não teve razões de queixa.

“No dia 4 de novembro, fechámos o hotel depois do pequeno-almoço. A_maioria das pessoas que tinham feito reservas ligou a pedir para que as mesmas fossem alteradas para 2021. Passámos a tarde a limpar os quartos, a tirar tudo dos frigoríficos, a desmanchar as mesas do restaurante. Em retrospetiva, foi um momento triste. Dei por mim a soltar uma lágrima quando vi o espaço vazio. Ninguém estava à espera de entrar num novo confinamento tão rapidamente”, argumenta.

Embora não existam dados relativos aos período compreendido entre os meses de setembro e dezembro de 2020, o Ministério do Trabalho inglês divulgou que menos 72% de portugueses, entre abril e agosto, escolheram Inglaterra como morada comparativamente com aqueles que voaram até terras de Sua Majestade nos primeiros três meses do ano. A título de exemplo, entre abril e junho de 2020, 1411 portugueses mudaram-se para o Reino Unido. O número ascendia a 5021 entre janeiro e março.

 

Entre a esperança e a desilusão

“Esta quarentena terminaria a 2 de dezembro e tudo indicava que trabalharíamos no Natal e no Ano Novo” e Inês aproveitou os dias com menos reservas para vir uma semana a Portugal visitar a família. “Cumpri todas as normas de segurança, fiz testes à covid-19 e, quando voltei, fiquei dez dias de quarentena no meu quarto. Já não aguentava mais aquelas paredes!”, revela, até porque teve de passar o aniversário em isolamento profilático. “Trabalhei dois dias e fechámos de novo. A dona do hotel percebeu que estava a gastar mais dinheiro ao ter o estabelecimento aberto do que fechado. Inicialmente, pensámos ‘já vivemos isto, somos capazes’”. Porém, o panorama era bem mais negativo do que julgara.

“Não tem sido fácil, as restrições são grandes. À semelhança de Portugal, são considerados ‘motivos razoáveis’ para sair de casa tarefas como comprar bens essenciais, a deslocação para empregos em que o teletrabalho não é viável, a mudança de casa ou o culto religioso, mas é doloroso. Passei o meu aniversário sozinha e aquilo que me valeu foi a tecnologia porque, de outra forma, não teria visto nem ouvido ninguém. O coronavírus rouba-nos muitas coisas e uma delas é a interação social, algo de que preciso muito para me sentir bem ”. Adepta de caminhadas e corridas ao ar livre, Inês viu-se essas atividades serem limitadas. Ainda assim, aponta uma “grande diferença”, pela positiva, em relação à vida em Portugal: ao estar “em furlough, o equivalente ao lay-off”, o Governo paga 80% do ordenado.

 

As regras

“Estarei em confinamento, pelo menos, até dia 15 de fevereiro, mas suspeito que o hotel não abrirá até março por ser época baixa”, diz Inês, que está a cumprir as regras governamentais impostas. “Temos noção de que, quando o bom tempo chegar a esta cidade minúscula na costa sul, toda a gente terá vontade de vir comer peixe fresquinho por não ser permitido sair do país, logo, acreditamos que serão meses concorridos”, partilha a emigrante._“E, ainda bem, porque tenho muitas saudades de trabalhar!”.