Relativismo perturbador


À medida que os contágios da covid-19 se propagam como nunca antes, esperanças quanto ao ano que agora se inicia não passaram da 12.ª passa na noite de passagem do ano.


A semana que passou foi dramaticamente marcada pelos acontecimentos abjetos no Capitólio dos EUA. Por cá, pelos “speed dates”, a que se convencionou chamar debates, dos candidatos a Presidente da República, nos canais televisivos, para gáudio dos “ultra” das redes sociais, animados pelo pequeno insulto e pelo “soudbyte”, que confirma aquilo que nós próprios já sabíamos de antemão, mas que desta feita foi dito na cara do inimigo. Sim, do inimigo, porque adversários políticos ou democráticos oponentes é coisa de um mundo hoje inexistente e que era marcado pelo agora cínico “politicamente correto”.

À medida que os contágios da COVID-19 se propagam como nunca antes, esperanças quanto ao ano que agora se inicia não passaram da 12.ª passa na noite de passagem do ano.

O que aconteceu na passada quarta-feira em Washington acaba por ser resultado de todo um caminho de autofagia do Estado de Direito Democrático ao abrigo dos direitos de liberdade de expressão dos cidadãos, acompanhado por zonas de exclusão da aplicação das mais elementares regras de civilidade, urbanidade e de cumprimento das regras de ordenamento social, amplificadas pela “no man’s land” das redes sociais e acicatadas pela falta de escrúpulos de líderes covardes, que como ratos são sempre os primeiros a abandonar o navio, assim que o que provocaram começa a virar contra si.

As causas do que aconteceu do lado de lá do Atlântico são profundas, remontando provavelmente às que provocaram a Guerra Civil americana no Século XIX e que nunca foram ultrapassadas e, embora, não confundindo grupos radicais e extremistas de “neonazis”, “supremacistas brancos” e “social-lunáticos”, constatamos a adesão a muitas das ideias preconizadas por estes líderes oportunistas por parte de pessoas que se sentem esquecidas pelo progresso e que noutras circunstâncias nunca estariam radicalizadas.

O que aconteceu nos Estados Unidos e o que está a acontecer também na Europa e em Portugal (embora cá ainda a tempo de se evitarem males maiores), tem culpados e não podemos isentá-los das suas responsabilidades.

Desde logo, as redes sociais, que usufruem de um regime de exceção, quanto às leis e regras de ordenamento social na sua atividade, apenas possível pelo medo que os Estados e os seus governantes têm do impacto que a opinião das hordas anónimas que lá habitam terão na sua própria popularidade e eleição. Não se trata aqui de proteger direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, pois quais são os direitos, liberdades e garantias se protegem dos que são discriminados, insultados e atingidos na sua dignidade nas redes sociais? Quem os defende e protege?

Depois, os meios de comunicação social tradicional, com as suas ações, omissões e legitimações (haverá exceções). Os ciclos noticiosos de 24h, acompanhados da necessidade de gerar as receitas que lhes permitam continuar a sua atividade, tem levado a redução de custos em recursos humanos e, consequentemente, qualidade na sua atividade. Tem, também, acentuado a falta de rigor e critério jornalístico. Quanto mais polémico, ainda que incorreto ou mesmo falso, melhor, pois gerará mais cliques e reações. As caixas de comentários das notícias nos sítios de internet dos jornais são verdadeiros tratados acerca de tudo o que se passa.

Em seguida, a justiça. Quando os órgãos criminais e judiciais deixam fora da sua atividade uma, já significativa, parte da vida social, tem permitido que tudo se degrade rapidamente. Mais, não poucas vezes vemos decisões judiciais desculpabilizadoras de comportamentos que numa sociedade decente não seriam de todo aceitáveis. Recordo a este propósito um acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa em que expressões como “Vai lá prá barraca, vai mas é pó caralho, seu filho da puta!” dirigidas a um agente desportivo por parte de outro são consideradas como aceitáveis.

Por fim, as políticas levadas a cabo nos últimos anos que não têm conseguido tirar da miséria milhares de pessoas, apesar do mundo gerar riqueza como nunca. Já o referi, aqui, por diversas vezes. O melhor antídoto contra o crescimento destes ressentimentos é mais igualdade, melhor redistribuição dos rendimentos, mais empatia. É governar para melhorar a vida de todos e não apenas de alguns. É fazer com que em relação a todos se possam fazer cumprir os desígnios de uma vida, melhor, mais feliz. Quem trabalha, tem direito a poder não viver na miséria. E quem não trabalha tem direito a poder trabalhar a troco de um salário justo.

Muito mais se poderia dizer, mas permitir que se relativize determinados acontecimentos, eventos, agressões, discriminações, ações e omissões, permitirá em última “ratio” que se destrua os alicerces do sistema democrático, que mais não é que o governo do povo através dos seus legítimos representantes, livremente eleitos.

 


Relativismo perturbador


À medida que os contágios da covid-19 se propagam como nunca antes, esperanças quanto ao ano que agora se inicia não passaram da 12.ª passa na noite de passagem do ano.


A semana que passou foi dramaticamente marcada pelos acontecimentos abjetos no Capitólio dos EUA. Por cá, pelos “speed dates”, a que se convencionou chamar debates, dos candidatos a Presidente da República, nos canais televisivos, para gáudio dos “ultra” das redes sociais, animados pelo pequeno insulto e pelo “soudbyte”, que confirma aquilo que nós próprios já sabíamos de antemão, mas que desta feita foi dito na cara do inimigo. Sim, do inimigo, porque adversários políticos ou democráticos oponentes é coisa de um mundo hoje inexistente e que era marcado pelo agora cínico “politicamente correto”.

À medida que os contágios da COVID-19 se propagam como nunca antes, esperanças quanto ao ano que agora se inicia não passaram da 12.ª passa na noite de passagem do ano.

O que aconteceu na passada quarta-feira em Washington acaba por ser resultado de todo um caminho de autofagia do Estado de Direito Democrático ao abrigo dos direitos de liberdade de expressão dos cidadãos, acompanhado por zonas de exclusão da aplicação das mais elementares regras de civilidade, urbanidade e de cumprimento das regras de ordenamento social, amplificadas pela “no man’s land” das redes sociais e acicatadas pela falta de escrúpulos de líderes covardes, que como ratos são sempre os primeiros a abandonar o navio, assim que o que provocaram começa a virar contra si.

As causas do que aconteceu do lado de lá do Atlântico são profundas, remontando provavelmente às que provocaram a Guerra Civil americana no Século XIX e que nunca foram ultrapassadas e, embora, não confundindo grupos radicais e extremistas de “neonazis”, “supremacistas brancos” e “social-lunáticos”, constatamos a adesão a muitas das ideias preconizadas por estes líderes oportunistas por parte de pessoas que se sentem esquecidas pelo progresso e que noutras circunstâncias nunca estariam radicalizadas.

O que aconteceu nos Estados Unidos e o que está a acontecer também na Europa e em Portugal (embora cá ainda a tempo de se evitarem males maiores), tem culpados e não podemos isentá-los das suas responsabilidades.

Desde logo, as redes sociais, que usufruem de um regime de exceção, quanto às leis e regras de ordenamento social na sua atividade, apenas possível pelo medo que os Estados e os seus governantes têm do impacto que a opinião das hordas anónimas que lá habitam terão na sua própria popularidade e eleição. Não se trata aqui de proteger direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, pois quais são os direitos, liberdades e garantias se protegem dos que são discriminados, insultados e atingidos na sua dignidade nas redes sociais? Quem os defende e protege?

Depois, os meios de comunicação social tradicional, com as suas ações, omissões e legitimações (haverá exceções). Os ciclos noticiosos de 24h, acompanhados da necessidade de gerar as receitas que lhes permitam continuar a sua atividade, tem levado a redução de custos em recursos humanos e, consequentemente, qualidade na sua atividade. Tem, também, acentuado a falta de rigor e critério jornalístico. Quanto mais polémico, ainda que incorreto ou mesmo falso, melhor, pois gerará mais cliques e reações. As caixas de comentários das notícias nos sítios de internet dos jornais são verdadeiros tratados acerca de tudo o que se passa.

Em seguida, a justiça. Quando os órgãos criminais e judiciais deixam fora da sua atividade uma, já significativa, parte da vida social, tem permitido que tudo se degrade rapidamente. Mais, não poucas vezes vemos decisões judiciais desculpabilizadoras de comportamentos que numa sociedade decente não seriam de todo aceitáveis. Recordo a este propósito um acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa em que expressões como “Vai lá prá barraca, vai mas é pó caralho, seu filho da puta!” dirigidas a um agente desportivo por parte de outro são consideradas como aceitáveis.

Por fim, as políticas levadas a cabo nos últimos anos que não têm conseguido tirar da miséria milhares de pessoas, apesar do mundo gerar riqueza como nunca. Já o referi, aqui, por diversas vezes. O melhor antídoto contra o crescimento destes ressentimentos é mais igualdade, melhor redistribuição dos rendimentos, mais empatia. É governar para melhorar a vida de todos e não apenas de alguns. É fazer com que em relação a todos se possam fazer cumprir os desígnios de uma vida, melhor, mais feliz. Quem trabalha, tem direito a poder não viver na miséria. E quem não trabalha tem direito a poder trabalhar a troco de um salário justo.

Muito mais se poderia dizer, mas permitir que se relativize determinados acontecimentos, eventos, agressões, discriminações, ações e omissões, permitirá em última “ratio” que se destrua os alicerces do sistema democrático, que mais não é que o governo do povo através dos seus legítimos representantes, livremente eleitos.