Vivi 2020 com um sentimento misto de incerteza, de esperança e de determinação em contribuir para que seja possível ultrapassar os tempos difíceis, exigentes e desafiantes que a pandemia ajudou a destapar, gerando um momento de urgência e transformação obrigatória na sociedade em que vivemos. Foi também um sentimento misto de medo e esperança que envolveu toda a humanidade, com pesos diferentes em função das circunstâncias de vida e do grau de exposição aos impactos sanitários, económicos e sociais da peste.
Não tendo sido dos mais expostos diretamente aos impactos, as ideias que partilho neste texto são resultado da observação atenta e da partilha de vivências de maior ou menor proximidade, na comunidade em que me integro e no quadro das funções de representação política que desempenho.
Escrevo este texto já em pleno 2021, mas com a perceção clara de que 2020 só terminará verdadeiramente quando conseguirmos erradicar a covid-19 das nossas vidas e pudermos dedicar-nos sem receios à reinvenção da sociedade tal como a conhecemos.
Uma reinvenção que exigirá, na minha perspetiva, três movimentos sincronizados em que se têm de envolver os cidadãos, as comunidades, as organizações e as instituições. É preciso prestar mais atenção ao planeta em que habitamos, dar mais capacidade ao Estado que nos protege e mais poder de participação e monitorização à sociedade civil, que nos garante que essa proteção não se transforma em controlo e manipulação.
A consciência de que a nossa relação com o planeta é insustentável não foi gerada pela pandemia, mas foi por ela fortemente impulsionada. As alterações climáticas, a redução da biodiversidade, a poluição e a destruição dos ecossistemas corroem os equilíbrios em que a humanidade pode sobreviver em comunhão com a natureza, sem fazer dela emanar pragas redentoras, mas destrutivas do progresso, do sonho, da ambição e do caminho de aprendizagem e realização que a tem movido desde tempos imemoriais até hoje.
A pandemia tornou também evidente a importância do Estado competente, transparente, aberto, legitimado, suficientemente forte para poder exercer as funções de emergência interna e de coordenação externa, gerando a confiança dos cidadãos, dando respostas assertivas e não se apropriando indevidamente dos direitos e das liberdades fundamentais.
Para que o regresso do Estado como instrumento fundamental para assegurar as respostas coordenadas aos fenómenos de grande exigência, e também como pilar das redes globais de prevenção e reação com autonomia e confluência estratégica, não potencie a tentação autoritária já tão disseminada, é determinante que as sociedades civis recrudesçam na sua participação no desenho e na monitorização das políticas, sendo ao mesmo tempo protagonistas das novas plataformas de intervenção criadas pelo progresso tecnológico e digital, e não suas prisioneiras.
Estas são lições que 2020 tornou ainda mais determinantes, essenciais para fazermos de 2021 um ano melhor. Para cada um dos leitores, como desejo, e para a humanidade, como todos desejamos.
Eurodeputado