Carcavelinhos. Talvez se Alcântara também reclamasse um campeão…

Carcavelinhos. Talvez se Alcântara também reclamasse um campeão…


Vencedores do Campeonato de Portugal em 1928 frente ao Sporting, viram no ano seguinte o seu companheiro de jornada, o União, chegar à final.


Confesso que é um peditório para o qual já não dou mais um tostão que seja. O i Congresso da Federação Portuguesa de Futebol, realizado em 1939, estabeleceu no seu Relatório e Contas, artigo vi – Provas: “Por virtude da reforma a que se procedeu no Estatuto e Regulamentos da Federação, os Campeonatos das Ligas e de Portugal passaram a designar-se, respetivamente, Campeonatos Nacionais e Taça de Portugal”. Portanto, o Campeonato de Portugal passou a chamar-se Taça de Portugal e não consigo ver modos de um grupo de adeptos do Sporting alterarem o estado de coisas (pretendem que o antigo Campeonato de Portugal seja equiparado ao Campeonato Nacional), o que ficou oficialmente decidido por uma direção em plenos poderes das suas competências. A menos que venha, algum dia, um novo congresso federativo desfazer o que foi feito, algo que nem seria de estranhar mas faria com que Portugal ganhasse, de um dia para o outro, mais três campeões nacionais, o Marítimo, o Olhanense e o Carcavelinhos.

Como se vê pelas fotos que ilustram esta peça, o Carcavelinhos surge inscrito, e bem, numa das placas que enfeitam o autêntico troféu da Taça de Portugal, aquele grandalhão que costuma ir até ao meio do campo do Estádio Nacional, não as réplicas mais pequenas que se entregam aos clubes. Orgulhosamente foi vencedor do Campeonato do Portugal de 1927-28, o tal Campeonato de Portugal que passou a ter o nome de Taça de Portugal a partir de 1938-39, tal como se pode ler no relatório do congresso já aqui referido.

Depois de ter desaparecido, em 18 de setembro de 1942, por fusão com o União Foot-ball Lisboa, o Carcavelinhos ficou a pairar na memória dos adeptos do futebol como uma espécie de navio fantasma que era volta e meia invocado pelas lembranças dos avós. Hoje, o seu herdeiro é o Atlético, o clube que nasceu da fusão de 1942. Mas o Carcavelinhos teve uma existência muito rica e digna de se ver distinguida para além dos resquícios que cada vez menos vão sobrando.

História Fundado em 14 de fevereiro de 1812, em Alcântara, o Carcavelinhos Football Club foi, desde a sua génese, um clube profundamente popular que concitava a paixão bairrista do bairro operário onde nasceu.

O ano mais brilhante da história do Carcavelinhos seria o de 1928, quando bateu o Sporting na final do Campeonato de Portugal, no Campo da Palhavã, em Lisboa, por 3-1. Dir-se-ia, em jeito de pilhéria, que roubou aos leões, no campo, um título de campeão daqueles que agora procuram obter através das secretarias. O percurso dos alcantarenses até à final foi de truz. Teve, é certo, a felicidade de ser dispensado da primeira eliminatória – não se esqueçam que, tal como a Taça de Portugal, o Campeonato de Portugal se jogava em forma de eliminatórias, um dos motivos que levou a Federação Portuguesa de Futebol a criar um campeonato “à inglesa”, por pontos, com todos a jogarem contra todos – de uma prova que nessa época contou com 26 participantes.

Nos oitavos-de-final coube ao Carcavelinhos deslocar-se a Aveiro, despachando o Beira-Mar por inequívocos 3-0. Seguiu-se uma ida ao Porto, mas a Vidal Pinheiro, para medir forças com o Salgueiros. A relação dessas forças foi desastrosa para os encarnados do Norte, que foram goleados sadicamente por 8-1. As meias-finais seriam disputadas desta forma: Carcavelinhos-Benfica e Sporting-Vitória de Setúbal.

Mais uma vez, os de Alcântara estiveram em grande, batendo os benfiquistas por 3-0, ao mesmo tempo que os leões arrumavam os setubalenses por 3-1. A final prometia. E cumpriu.

Foram estes os onze alcantarenses que entraram em campo nessa tarde gloriosa de 30 de junho: Gabriel Santos, Carlos Alves (avô de João Alves e o primeiro Luvas Pretas, que depois jogaria no FC Porto) e Abreu; Artur Pereira, Daniel Vicente e Carlos Domingues; Manuel Abrantes, Armando Silva, Carlos Canuto (treinador/jogador que viria mais tarde a ser árbitro de categoria), José Domingues e Manuel Rodrigues.

O Carcavelinhos marcou primeiro, por José Domingues (20 m), mas o Sporting respondeu através de Abrantes Mendes (52). No minuto seguinte, José Domingues voltou a marcar e a desempatar. Finalmente, seria Manuel Rodrigues a dar o golpe de misericórdia (75).

A festa foi de arromba no bairro de Alcântara. Os rapazes do Carcavelinhos tornavam-se a sexta equipa a conquistar o Campeonato de Portugal, depois de FC Porto (2 vezes), Sporting, Olhanense, Marítimo e Belenenses. Um momento único na vida do futebol português. O Benfica só arrecadaria o seu primeiro troféu duas épocas mais tarde. Mas, entretanto, no campeonato seguinte, o União de Lisboa atingiria a final frente ao Belenenses (1-3). Hoje, por direito próprio, o Atlético, herdeiro desses dois cabouqueiros do jogo em Portugal, reclama as duas finais e a vitória de 1928 para o seu palmarés. Mas não podemos esquecer os nomes daqueles que, entretanto, foram deixando de existir. Porque foram eles que, a pouco e pouco, transformaram o futebol no desporto mais apaixonante que se instalou entre nós. Apesar do excesso de quezílias estúpidas que teima em estragá-lo.