1 – Ninguém educa com uma fórmula matemática, manual na mão, reacção robótica, livro comprado ao pediatra-psicólogo que sabe as regras todas e tem a solução para a felicidade da cria. Ninguém educa assim, e ainda bem que assim é, pela reivindicação de liberdade, de intuição, de uma concepção muito própria do bem do ser que se nos apresenta.
2 – Justificará, porém, essa atitude o passar ao lado de toda a pesquisa, a investigação mais recente, ignorar as pacientes horas que tantos dedicam a querer perceber os bebés? Creio que há razoabilidade em querer conhecer, em procurar saber com quem estamos a lidar, ainda que sem manual de instruções. E não apenas a ansiedade – não apenas essa ansiedade de progenitores, familiares, amigos, comunidade com o rebento que fica à sua guarda -, responsabilidade e mercê justifica a avidez: é objectivamente um bem compreendermos as extraordinárias descobertas científicas que as últimas décadas trouxeram a este campo de saber e como elas infirmaram as certezas freudianas ou de Piaget que aprendêramos nos bancos da escola. Para, desde logo, não operarmos sobre o erro.
3 – Foi um inesperado prazer descobrir a infinita capacidade de aprendizagem, de empatia e altruísmo, de uma imaginação prodigiosa à qual precisamos de estar atentos, dos bebés (mais pequenos). Enganavam-se Freud e Piaget porquê? Porque pensavam que os nossos pequenos não conseguiam distinguir realidade e fantasia. Errado. Sabem bem que o monstro mau que os próprios inventaram é isso mesmo: um monstro inventado. E, hoje, sabemos mais: a zona cerebral de onde emana esta fantasia está ali lado a lado do princípio da realidade. O que muito nos ajudará a captar com renovado olhar a ideia que formamos de que a ficção poderá explicar muito melhor a realidade do que o relato descritivo (seco). De resto, por onde andam os filósofos?, os bebés são capazes de utilizar o contrafactual; ora, assim sendo, das milhares de ideias que nos lançam, nas dezenas de ideias com que nos confrontam, dos desafios que nos atiram poderá sair uma centelha para um mundo melhor, pois que mais não é o contrafactual do que saber desenhar um mundo ao lado e, preferencialmente, um mundo melhor. Formamos, moldamo-los, mas o inverso é, igualmente, verdade. Não são amorais, como nos haviam garantido. Imitadores, a teoria de amor que formam é fundamental – pais que os seguram e confortam quando choram, pais menos reactivos e distantes – criativos.
4- Se os primeiros anos de vida podem moldar, ou influenciar decisivamente as vidas futuras, ainda que sem uma relação causa-efeito direta e imediata, própria dos laboratórios científicos, então a nossa responsabilidade, pública e privada, é tudo fazer para que esses primeiros anos sejam particularmente estimulantes, agradáveis, felizes. Isso implica, por exemplo, a defesa do pré-escolar universal. Depois, um pré-escolar de qualidade. De árvores frondosas, de caixas de areia e peixinhos. A este respeito, Alison Gopnik, em “O Bebé Filósofo” (Temas e Debates, 2010), é particularmente sensata: não posso garantir que o meu filho vá parar a Berkeley e seja uma sumidade numa dada área. Mas já sou responsável por uma infância decisiva nesse continuum que formamos na narrativa auto-percepcionadora enquanto adultos. E por uma infância, pois, feliz, por entre árvores frondosas, caixas com areia e peixinhos amorosos.
5 – Dos inúmeros dados apresentados por Gopnik, gostaria de sublinhar duas experiências. Uma, realizada desde a década de 60, coloca o menino de 14 meses perante a possibilidade de comer uma ou duas bolachas, consoante queira, respetivamente, satisfazer de imediato o seu apetite ou aguardar uns minutos pelo seu educador. A maioria não aguenta essa espera curta, mas especialmente tortuosa psicologicamente. Come de imediato uma bolacha. Aos 18 meses, a tendência inverte-se. O curioso da experiência centra-se, porém, no acompanhamento que depois é feito a estes miúdos e a verificação, posterior, de que em idade jovem aqueles que conseguiram deferir o prazer – os que aguentam pela chegada do educador e, assim, tiveram direito a duas bolachas – obtiveram melhores resultados escolares e foram mais longe nos estudos. Ainda que a realidade nunca se subsuma a um único factor ou elemento e a complexidade da paisagem seja a norma, é toda, se quisermos, uma metáfora que aqui fica e que não deixámos de fixar.
6 – O meio ou os genes? As duas coisas com certeza, mas deixo este dado a finalizar. O Q.I. das crianças ricas está mais dependente do seu património genético familiar do que o das crianças mais pobres. Nota: o Q.I é uma medida que podemos ter em conta em diferentes análises, mas não devemos sobrevalorizar este dado quantitativo. Mas expliquemos: uma boa escola alterará de modo absolutamente radical a inteligência de alguém que parte em posição de inferioridade a esse nível. A escola é decisiva. E como os que detém mais meios económicos colocam os filhos em boas escolas, aí, sim, os factores genéticos é que farão a diferença. A Escola, e a escola massificada, foi das maiores invenções humanas e implicou uma mudança extraordinária na relação genes ou ambiente.
7- Por último, as questões de sentido. Da mãe, filósofa, psicóloga Alison Gopnik – “o que dá sentido á vida e a torna bela e moralmente significativa? Haverá alguma coisa de que cuidemos mais do que nós próprios? O que permanece para além da morte? Os nossos filhos dão um objectivo e finalidade às nossas vidas. São belos (com uma pequena excepção para a varicela, os joelhos esfolados e os narizes a pingar) e as palavras e as imagens que criam são também belas. Estão na base dos nossos dilemas morais e dos nossos maiores triunfos morais. Preocupamo-nos mais com os nossos filhos do que connosco. Os nossos filhos continuam depois de termos partido e isso confere-nos uma espécie de imortalidade”.