O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras é uma instituição importante do Estado de Direito português. Tão importante quanto discreta, eficaz e dentro da legalidade, pelo que a esmagadora maioria dos portugueses desconhece a relevância da sua ação para a manutenção da segurança individual e comunitária, pressupostos de todas as dinâmicas da sociedade. Sim, o quadro de referência é a lei e observância das decisões dos órgãos políticos e judiciais, num quadro de desfasamento entre os recursos e as necessidades de respostas, como se atesta pelos exemplos visíveis das filas de espera nos pontos de controle das fronteiras ou nos espaços de renovação das autorizações de residência. Tudo expressões correntes de insuficiências e de falta de respeito pela dignidade humana e pelas dinâmicas comunitárias, no país do Simplex.
Como em tantas outras instituições relevantes, há anos que os governos não conseguem estabelecer fluxos sustentáveis de recursos humanos e materiais, de exigência na seleção e formação de quadros e de ajustamento das capacidades de resposta aos desafios de realidades cada vez mais complexas. Como em todas as instituições, há sempre de tudo e a responsabilidade de quem decide é separar o trigo do joio, para que as missões se mantenham dentro dos quadros de referência e dos valores exigidos pelo nosso nível civilizacional.
O que aconteceu no Aeroporto de Lisboa com um cidadão ucraniano é inaceitável, não podia ter acontecido. É a negação do Portugal democrático que se pretendeu construir após o 25 de Abril.
O que aconteceu ao longo dos últimos 9 meses é a expressão maior de desumanidade com a família do visado, depois da brutalidade da morte à guarda do Estado e de irresponsabilidade política com a instituição SEF, sujeita a uma cozedura pública e mediática em lume brando. Nove meses de inação ou de ausência de ação consequente para mitigar a gravidade da ocorrência e garantir tolerância zero com os desvios fizeram com que a árvore fosse vista como sendo a floresta.
O que aconteceu esta semana, pela voz de titulares e cargos políticos, é o expoente máximo da irresponsabilidade política e da brandura cívica dos costumes.
Como é possível que quem lidera não tenha tido a noção da extrapolação das adequadas responsabilidades políticas e de uma exigência cívica consequente?
Como é possível que o Presidente da República em exercício, em desespero populisto-eleitoral, tenha embarcado numa narrativa de pseudo-desconhecimento da realidade admitindo a possibilidade de o que aconteceu no aeroporto ser um padrão sistémico? Nove meses depois da morte do cidadão ucraniano, ao fim de meses de laxismo e no término de cinco anos de mandato, o Presidente da República o que tem para dizer é verbalizar uma implosão institucional por via de uma dúvida estrutural sobre o compromisso de um órgão de polícia criminal com o Estado de Direito? Não teve oportunidade de se informar, de exigir humanismo depois da barbárie? Quer mesmo dar mais uma cobertura ao governo na concretização de uma criatividade em matéria de destruição de um serviço do Estado que funciona, por via da redistribuição das suas competências para a GNR e a PSP, sob o pretexto de um caso concreto? Não tem presente os danos para o país da extinção da Brigada de Trânsito e da Brigada Fiscal, curiosamente com a assinatura de António Costa como ministro da Administração Interna?
Destruída uma família, beliscada a imagem de Portugal como país comprometido com os direitos humanos e provocados danos de reputação institucional ao SEF, o que se exige é que o Estado de Direito seja responsável e eficaz na mitigação do ocorrido e na reposição do normal funcionamento das instituições em tudo o que possa ter de desvios ou riscos.
Não podem persistir hesitações, dúvidas ou nebulosas sobre o compromisso dos serviços do Estado com a dignidade humana e com o Estado de Direito como referências do registo expectável pelos cidadãos, quaisquer que seja a sua nacionalidade, origem ou proveniência, quando acedem ao território nacional.
Quem exerce funções em representação do Estado de Direito não pode permitir desvios nem estar sujeito aos lumes brandos que são geradores de falta de autoridade, lesivos da confiança nas instituições e propiciadoras de aproveitamentos pelas diversas latitudes dos populismos.
Quem tem responsabilidades políticas não pode deixar de ter um sentido de exigência ética e de valores que cubra as margens de indefinição do Estado de Direito, ainda que a pressão cívica e social não seja exercitada a um nível que imponha a ação.
Tudo correu mal, muito não poderá ser corrigido, mas há mínimos. De dignidade humana e da dignidade do Estado. Bens escassos quando estão em causa a prestação de alguns protagonistas.
É um erro querer extinguir o SEF, como o foi não ter feito o que se impunha nestes 9 meses de queima em lume brando da instituição, sem impulsos consequentes com a família do falecido de mitigação da brutalidade ocorrida. Enfim, mais do mesmo.
NOTAS FINAIS
FINALMENTE HÁ BAZUCA. Nove meses depois, parece que a Europa finalmente aprovou o pacote financeiro mais que urgente para responder aos impactos económicos e sociais da pandemia. As esquinas e vielas percorridas, os obstáculos superados e os egos exercitados revelam a pequenez vigente das lideranças e do estado de compromisso com o processo Europeu.
DESGOVERNO DO GOVERNO. Quando é colocado na praça pública um conteúdo da reunião de conselho de ministros significa que quem lidera já não manda e quem diverge já não tem o nível de compromisso com o todo que deveria ter. A eminente Presidência Portuguesa da União Europeia tem tudo para degradar a atenção às questões nacionais e acentuar as clivagens.
ALTOS VOOS RASANTES. O porte de salvador do ativo estratégico nacional não permite o descolar da associação aos despedimentos, aos cortes salariais e a todos os tributos supervenientes de mobilização de recursos públicos para a operação. Perdurará inscrito na pele de alguém da esquerda do PS, qual tatuagem, por muito boa que possa ser a comunicação da operação e do protagonista.
SILÊNCIO ENSURDECEDOR DA ERC. Passou quase uma semana sobre a morte de Sara Carreira e as reiteradas expressões de abutre das desgraças da Cofina. Como no passado, a ERC não piou, não tugiu e nem mugiu. Zero regulação.
Escreve à segunda-feira