Daqui a dez dias será a noite da Consoada, em tempos de pandemia.
O nosso primeiro-ministro, António Costa, anunciou, há uma semana atrás, as regras definidas pelo Governo em relação ao Natal e ao Ano Novo. Estranhamente, definiu regras bastante restritivas para a Passagem de Ano, não sucedendo o mesmo com o Natal, deixando aos portugueses e às suas famílias a decisão de como querem passar esta noite.
Curioso é notar que um governante de esquerda e que sempre assumiu que o papel do Estado se sobrepõe ao papel do cidadão, em geral, disse que não iria definir, nem impor o número de pessoas que poderiam passar o Natal em família. Neste caso, o Governo português é um dos poucos governos da Europa a ter esta posição; outros governos, quer ao centro, quer à esquerda, quer à direita, foram muito precisos nas regras muito restritivas que anunciaram.
Após esta decisão (ou melhor, não decisão!) foram tornados públicos vários estudos científicos que têm alertado para o cuidado a ter nas reuniões familiares. Muitos, mesmo, vão mais longe e assumem que um Natal tradicional e sem regras é meio caminho andado para uma terceira vaga, enquanto que um Natal adaptado às novas circunstâncias e, por isso, mais restritivo, poderá afastar a hipótese do aumento acentuado de casos e de óbitos, resultante das festas natalícias. Ainda há os que antecipam que o pior que poderia acontecer seria iniciarmos o período de vacinação, em simultâneo com uma pressão descontrolada sobre o Serviço Nacional de Saúde, decorrente do aumento exponencial de internamentos.
Cada português sabe o quanto António Costa e o seu Governo têm sido determinados e restritivos no estabelecimento de novas regras. Parece que foi há muito tempo, mas em março, de um dia para o outro, fomos ordenados a manter-nos em casa, com o encerramento dos serviços públicos, das empresas, escolas… Fomos personagens reais dos filmes que vemos na televisão, com as ruas desertas em tempo de guerra. O mesmo governo que definiu as regras que arruinaram setores da nossa economia, como a restauração, comércio, etc…
Por que razão é que agora António Costa e o seu governo não definem regras para o Natal? Que receio é este de assumir uma política de salvaguarda da população, à semelhança do que têm feito até aqui?
Entre o assumir medidas restritivas que podem causar agitação entre alguns, mas que servem os interesses dos portugueses e do país, tal como todas as outras medidas serviram, na perspetiva dos nossos governantes, e o “lavar as mãos de Pilatos”, só para não ter que assumir responsabilidades pelas suas decisões, o primeiro-ministro escolheu não liderar em tempos complicados, deixando ao critério individual de cada família a melhor forma de combater e enfrentar o vírus.
Uma atitude que nos pode custar muito caro nas semanas seguintes e que será da responsabilidade deste governo que, de um momento para o outro, num ato de inegável calculismo eleitoral e de popularidade, se demitiu das suas obrigações e passou essa responsabilidade para a população.
Uma tentativa ousada e temerária de passar entre os pingos da chuva para não ter que enfrentar as críticas da maioria. A mesma maioria que iria cumprir, tal como tem cumprido até aqui, as orientações que têm sido anunciadas.
Perante esta dualidade de critérios e de intervenções, a legitimidade futura deste Governo na definição de medidas de restrição sofreu uma machadada no seu centro nevrálgico – a confiança que os portugueses iam depositando nas orientações emitidas. Ao contrário do que se tem assistido noutros países, temos sido cumpridores e respeitamos os líderes políticos, bem como os investigadores e especialistas académicos que todos os dias nos explicam a situação e refletem sobre abordagens possíveis para a contenção da propagação do vírus. Os mesmos especialistas que têm dado entrevistas a reforçar a necessidade de mantermos as medidas restritivas, principalmente no Natal, se queremos que haja um próximo Natal com as famílias completas à volta de uma mesa na noite da Consoada.
É lamentável esta falta de coragem em manter um rumo e fazer aqui um intervalo nas suas opções, somente para não assumir as responsabilidades.
Perante esta ausência do Governo, num momento tão crucial, compete-nos assumir a responsabilidade individual e proteger, da melhor forma que soubermos e conseguirmos, os nossos, mas não esquecermos que daqui só pode haver um vencedor: as famílias. O prémio, caso tudo corra bem, irá para as famílias; para os portugueses que tiveram o bom senso de se resguardarem, apesar do Governo ter abandonado toda uma política que, a bem ou a mal, ia seguindo e que pretende continuar a seguir após um curto intervalo.
Escreve quinzenalmente