Morte no aeroporto. Marcelo coloca ministro Eduardo Cabrita sob pressão

Morte no aeroporto. Marcelo coloca ministro Eduardo Cabrita sob pressão


Presidente quebrou o silêncio sobre a morte de cidadão ucraniano: concorda com a indemnização decidida pelo Governo, mas deixa sérios avisos sobre futuro do SEF. Cerco a ministro aperta-se.


O Presidente da República esperou que o Governo anunciasse a decisão de indemnizar a família de Ihor Homenyuk, cidadão ucraniano morto no centro de instalação temporária no aeroporto de Lisboa do SEF (no passado dia 12 de março), para se pronunciar sobre a polémica em torno deste caso. Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que o processo está na Justiça, mas se ficar provado que a morte deste cidadão não foi um ato isolado, e a violência no SEF é sistemática, então é o próprio sistema dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras que está em causa. Mais, o chefe de Estado deixou pistas sobre a mudança de protagonistas, após o desfecho deste caso.

“Naturalmente surge uma outra questão: saber se aqueles que deram vida ao sistema durante um determinado período podem ser protagonistas do período seguinte, se não devem ser outros os protagonistas”, declarou Marcelo, à margem de uma condecoração a Júlio Isidro. O Presidente não esclareceu a que protagonistas se referia, mas a avaliar pelas suas palavras não basta a saída da diretora-geral do SEF, Cristina Gatões, anunciada esta semana.

Para já, tudo “tem de ser apurado rapidamente porque se for um procedimento comum, uma atuação sistemática, o que está em causa é o próprio SEF e o Governo é o primeiro a ter de reconhecer que uma instituição assim não pode sobreviver nos termos em que tenha existido. Já não é A, B, C ou D, é todo o sistema que está errado e é preciso substituí-lo por outro”, exigiu Marcelo Rebelo de Sousa sem elencar nomes.

Ora, a diretora-geral do SEF já se demitiu, nove meses após o caso ter ocorrido, e depois do Ministério Público ter acusado três inspetores do SEF de homicídio qualificado. A decisão de atribuir uma indemnização, a definir pela provedora de Justiça, surgiu após se saber também que a família do cidadão ucraniano teve de custear as despesas de trasladação do corpo e não recebeu qualquer contacto de órgãos de soberania portugueses, conforme avançou a SIC.

Para já, o Eduardo Cabrita vai ser ouvido no Parlamento na próxima terça-feira, dia 15 de dezembro.

A própria líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, pediu explicações ao ministro da Administração Interna: “A demissão da diretora do SEF peca por tardia. Espero pelas explicações que têm a dar sobre isto, porque na entrevista da diretora, nas entrelinhas, dá para entender que houve pouco cuidado na gestão do caso e a comunicação também não foi passada”, declarou a deputada à TSF, apesar de considerar que o governante tem condições para continuar no cargo.

No PSD o discurso é diferente, mas o líder social-democrata, Rui Rio, espera que a audição da próxima terça-feira dê dados suficientes ao primeiro-ministro para decidir sobre a manutenção (ou não) de Cabrita no Governo. No fim da linha, a responsabilidade política será sempre do chefe de Governo.

Recorde-se que Eduardo Cabrita foi chamado para ministro do Executivo para suceder a Constança Urbana de Sousa. A ministra teve de gerir os piores incêndios de que há memória, com mais de uma centena de vítimas mortais. Marcelo abriu-lhe a porta de saída num discurso, em 2017, em que pediu um novo ciclo ao Executivo, não deixando margem a António Costa para a manter. Na altura, o chefe de Governo foi surpreendido pelo tom muito duro de Belém. Este foi talvez um dos piores momentos na relação entre Presidente da República e São Bento.

Volvidos mais de três anos, Eduardo Cabrita surgiu ontem a fazer um balanço da sua atuação como governante na Administração Interna, com a descida dos números da criminalidade, ou a gestão dos incêndios.

Em relação ao caso da morte do cidadão ucraniano, que motivou uma audição no Parlamento de Eduardo Cabrita em abril passado, o ministro disse que condenou desde a primeira hora a morte de Ihor Homenyuk, tendo pedido a atuação das autoridades.

Sobre o seu futuro, Cabrita respondeu que está nas mãos de António Costa: “Tal como estou aqui porque o senhor primeiro-ministro entendeu nessa altura tão difícil [em outubro de 2017] pedir a minha contribuição nessas novas funções, também relativamente a esta matéria só o primeiro-ministro lhes poderá responder”, declarou na conferência de imprensa do Conselho de Ministros. Cabrita reclamou ainda ter chamado a atenção para o caso da morte do cidadão ucraniano, mas houve quem estivesse desatento ou em confinamento na altura (em abril estava em vigor o confinamento total com o país em estado de emergência).

No Parlamento, o BE pede mudanças de alto a baixo no SEF e a saída do ministro: “Oito meses depois quem se coloca na polémica para se vitimizar mostra que não compreendeu o que aconteceu. O ministro Eduardo Cabrita não tem condições para continuar no MAI”, advertiu o líder parlamentar bloquista, Pedro Filipe Soares. O CDS considerou, por seu turno, que a posição do ministro “está cada vez mais frágil” e o PCP disse que o problema não se resolve com a mudança de rosto no MAI. Só na próxima semana se perceberá se as explicações do governante são suficientes para colocar um ponto final na discussão.

Sindicato do SEF lamenta “episódio sinistro”

Num comunicado enviado ontem às redações, o Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – SCIF/SEF afirma desejar que a reestruturação feita pelo ministro da Administração Interna ao SEF tenha sido com intenções de melhorar a “mais moderna, mais eficiente, mais competente e mais humanista das forças e serviços de segurança que existem em Portugal”. O Sindicato acrescenta ainda que o problema não está em quem serve visto que a “esmagadora maioria dos inspetores do SEF sempre se pautou por uma atuação balizada por princípios humanistas, civilistas e democráticos”. O comunicado vem na sequência da demissão de Cristina Gatões Batista, agora ex-diretora do serviço. A criação de um botão de pânico pelo Ministério da Administração Interna (MAI) e a acusação por homicídio qualificado de três inspetores que alegadamente agrediram até à morte o cidadão ucraniano Ihor Homenyuk terão sido a alavanca para a demissão de Cristina Gatões Batista. No mês passado, a ex-diretora do SEF afirmou que a morte do ucraniano, acontecida em março, se tratava de “uma situação de tortura evidente”.
No comunicado escrito pelo SCIF/SEF pode ler-se que “as condições concretas desta morte têm de ser cabalmente esclarecidas, doa a quem doer” mas que esta é uma atitude que entra “em contradição clara com a prática habitual dos inspetores do SEF”. 

O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, adiantou ontem em conferência de imprensa que a família de Ihor Homenyuk vai ser indemnizada pelo Estado português depois de um pedido ter sido feito pelo PSD e pela deputada não inscrita Joacine Katar. Eduardo Cabrita vai ser ouvido na próxima terça-feira na Assembleia da República no âmbito da tragédia.