O Governo apresenta hoje à Comissão Europeia o plano de reestruturação da TAP, uma exigência de Bruxelas para autorizar o empréstimo do Estado de até 1,2 mil milhões de euros à companhia aérea para fazer face à crise na sequência da pandemia de covid-19. O plano foi aprovado em Conselho de Ministros extraordinário, que decorreu durante a madrugada de ontem, mas continua sem ser apresentado publicamente – o que se prevê que poderá acontecer já amanhã.
Neste momento, sabe-se apenas que o plano de reestruturação da TAP – concebido com o contributo da consultora Boston Consulting Group e do Deutsche Bank – deverá incluir dois mil despedimentos, de 500 pilotos (dos atuais 1468), 750 tripulantes de cabina efetivos e outros 750 funcionários do pessoal de terra. O pacote de medidas inclui ainda um corte transversal de 25% dos salários daqueles que permanecem na empresa (o equivalente a cerca de 185 milhões de euros) e a redução da frota da companhia. A TAP deverá ficar com 88 aviões, contra os 101 que possuía no final do terceiro trimestre (menos sete que em junho).
Parlamento aguarda
Depois do aval de Bruxelas, o Governo terá a intenção de levar o plano de reestruturação da TAP a debate e votação na Assembleia da República, pois, embora tenha a tutela da matéria, ou seja, o poder de decidir, pretende legitimar os próximos passos a dar através de um acordo de base parlamentar.
Uma decisão que motivou, ontem, uma reação de repúdio por parte de Rui Rio. “Levar o plano da TAP ao Parlamento para votação não é só uma clara fuga do Governo às suas responsabilidades. É abrir um precedente muito grave. Por esse caminho, poderemos ter qualquer matéria governamental a ser votada em plenário, com todas as consequências daí decorrentes”, escreveu o presidente do PSD numa mensagem publicada na rede social Twitter.
O passo do Governo estará relacionada com o investimento que o Estado terá de fazer na companhia até 2024. De acordo com o jornal online Eco, o plano prevê mesmo novos financiamentos públicos “até um valor da ordem de 1,8 mil milhões de euros”, através de injeções de fundos públicos ou de garantias de Estado a novos empréstimos. Um valor que ultrapassa largamente o investimento do Governo na TAP inscrito no Orçamento do Estado para 2021, que são 500 milhões de euros em garantias, para que a empresa possa financiar-se no mercado.
Feitas as contas, e a juntar aos 1,2 mil milhões investidos na companhia até ao final deste ano, o Estado português poderá ficar “obrigado” a injetar um total de três mil milhões de euros, durante quatro anos para salvar a empresa da falência.
Ontem, porém, e ao contrário das notícias que surgiram em vários órgãos de comunicação social, o plano ainda não terá chegado às mãos dos grupos parlamentares – o que deverá acontecer praticamente em simultâneo com a entrega do documento em Bruxelas.
Embora a maioria dos partidos tenha, para já, optado por não tecer comentários sobre o plano, alegando a escassa informação disponível, Bloco de Esquerda e PCP também já reagiram à possibilidade de poderem votar o futuro da TAP na Assembleia da República.
Catarina Martins voltou a sublinhar que Portugal “não pode abdicar de um instrumento de soberania como é a TAP”, embora tenha adiantado que poderá ser “um erro extraordinário” tornar a companhia mais pequena. O Governo “não deve ceder à pressão europeia para limpar a TAP com muito dinheiro público, ao mesmo tempo que despede muita gente”, para depois “ser uma companhia barata e pequenina para uma qualquer Lufthansa poder assumi-la”, defendeu, ontem, a coordenadora do Bloco de Esquerda à saída de uma reunião com a Associação de Comerciantes do Porto. “O pior de tudo seria andarmos a pagar para termos a TAP e no fim ficarmos sem ela. Sim, seguramente que teremos de investir na TAP para podermos ter uma companhia aérea no futuro”, disse Catarina Martins.
Já o PCP afirmou que a votação do plano de reestruturação da TAP no Parlamento “não está colocada neste momento”, mas aproveitou para contestar uma possível reestruturação da empresa feita “contra os trabalhadores”. Aos jornalistas, o deputado do PCP Bruno Dias admitiu a necessidade de ser feita “uma intervenção imediata, concreta” na TAP, face à crise internacional que se vive no setor da aviação civil, mas rejeitou que tal aconteça través de “imposições de Bruxelas”. “O PCP reafirma que somos contra uma intervenção que passe essencialmente pelo ataque aos direitos dos trabalhadores e seja baseada na destruição de postos de trabalho. Não está colocada uma perspetiva, neste momento, de uma votação desse género. A nossa posição é muito clara e é conhecida: nós somos defensores da companhia de bandeira, somos defensores dos seus trabalhadores com direitos, os trabalhadores da TAP não são peças descartáveis”, disse.
De realçar que, caso o plano de reestruturação da TAP seja chumbado no Parlamento, o mesmo não poderá ser aplicado e, como tal, ficará de imediato em risco a sobrevivência da companhia, detida pelo Estado em 72,5% (com os restantes 22,5% a pertencerem a Humberto Pedrosa e 5% aos trabalhadores).
Ontem, em comunicado, o Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos (Sitava) voltou a criticar a falta de informação sobre o plano de reestruturação da TAP, após uma reunião por videoconferência com a empresa. “A recusa de informação é desonestidade”, alega o sindicato liderado por José Sousa.