Num tempo em que a resistência de Donald Trump começa a deslaçar e Joe Biden vai construindo a sua equipa numa perspetiva de regresso a uma América cautelosa e contida, mas aberta às parcerias multilaterais, os chefes negociadores da União Europeia (UE) e dos países de África Caraíbas e Pacífico anunciaram no dia 3 de dezembro um acordo político para uma parceria de cooperação alargada entre a UE e os 79 países da Organização dos Estados de África, Caraíbas e Pacífico. (acordo pós- Cotonuo).
Depois da assinatura em 15 de novembro do acordo de parceria económica regional abrangente (RCEP) entre a China, o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália, a Nova Zelândia e os 10 países da Associação de Nações do Sudoeste Asiático, que engloba um terço da população mundial e 29% da riqueza criada, o acordo pós-Cotonuo ao associar 106 países, que representam mais de 1.5 biliões de pessoas e mais de metade dos lugares na Organização das Nações Unidas, constitui um dos mais importantes movimentos na recomposição Geoestratégica em curso.
Ao colocar nas prioridades da sua presidência a realização de cimeiras UE-África e UE-Índia, Portugal coloca-se num eixo de centralidade na definição dessa nova ordem, onde as dimensões atlântica e transatlântica também têm um papel fundamental, sobretudo tendo em conta as dinâmicas associadas à saída do Reino Unido, com ou sem acordo, da UE.
Se as vagas pandémicas não voltarem a baralhar os calendários, será na Presidência portuguesa que o acordo político agora alcançado para pós-Cotonuo será formalizado e que também a estratégia Europa-África será lançada. Uma oportunidade única e certamente não meramente casual, de podermos voltar a assumir a nossa natural vocação de fazedores de pontes e geradores de redes de cooperação e progresso.
O novo acordo pós-Cotonuo estrutura-se em seis prioridades adaptadas aos desafios dos novos tempos. Direitos humanos, democracia e governança, paz e segurança, desenvolvimento humano e social, sustentabilidade ambiental e clima, desenvolvimento e crescimento económico sustentável e inclusivo e migrações e mobilidade. Prevê também uma forte dimensão parlamentar, objetivo central numa parceria transparente e mobilizadora dos cidadãos e das comunidades, pela qual me bati e continuarei a bater, como cidadão, como eurodeputado e como copresidente da Assembleia Parlamentar Paritária África, Caraíbas e Pacífico / União Europeia.
Não surpreendentemente, o capítulo das migrações e mobilidade foi o último a ser fechado pela sua sensibilidade e pelo aproveitamento que os populistas radicais e xenófobos fazem do tema. Uma boa aplicação das outras cinco prioridades do acordo, ajudará a lidar naturalmente com a questão das migrações e da mobilidade, numa lógica humanista e de respeito pela dignidade das pessoas e pelos seus direitos.
Estas parcerias inauguram uma nova era das relações internacionais, em que a cooperação entre dadores e recetores tem que ser substituída por parcerias entre iguais. Um princípio inadiável, mas que exige escolhas fortes e progressistas para poder ser praticado no terreno. Para que a convergência seja uma prática e um caminho e não apenas um sinal.
Eurodeputado do PS