Irão acusa máquina assassina com “inteligência artificial” pela morte de cientista

Irão acusa máquina assassina com “inteligência artificial” pela morte de cientista


Estejamos perante um futuro distópico ou uma desculpa da Guarda Revolucionária, o assassinato do principal cientista nuclear do Irão é uma pedra de arremesso entre a ala moderada e a linha dura do regime.


Uma metralhadora com “inteligência artificial” israelita, comandada por satélite, montada numa carrinha Nissan e deixada à beira da estrada, nos arredores de Teerão, abateu o principal cientista nuclear do Irão, Mohsen Fakhrizadeh, poupando a sua mulher e explodindo de seguida – isto se tivermos em conta os relatos da Guarda Revolucionária do Irão, vexada pelo falhanço em protegê-lo.

Caso esta história distópica seja verdade, as consequências do uso de tal tecnologia na guerra seriam “inimagináveis”, alertou ontem o prof. Noel Sharkey, membro da Campaign Against Killer Robots, à BBC. “Se tais dispositivos fossem autónomos, usando reconhecimento fácil para identificar e matar pessoas, estaríamos num plano inclinado que perturbaria completamente a segurança global”.

Contudo, para já, o mundo lida com as consequências mais imediatas do assassinato. É que com a emboscada a Fakhrizadeh, no final do mês passado, morreu também a esperança de ressuscitar facilmente o acordo nuclear entre o Irão e os EUA, mal tome posse o Presidente eleito, Joe Biden.

Subitamente, o legado do cientista tornou-se pedra de arremesso entre a ala moderada do regime iraniano, do Presidente Hassan Rouhani, e a linha dura, encabeçada pelo aiatola Ali Khamenei. Face ao homicídio, todos reavaliam a questão de se é uma boa ideia acelerar o programa nuclear. Uns fazem circular imagens de Fakhrizadeh a ser condecorado por Rouhani por facilitar a assinatura do acordo nuclear de 2015; outros partilham gravações do cientista a referir que “não dá para fazer compromissos com a América”.

“Há imensa discussão no Irão sobre a necessidade de retaliar, a necessidade de acelerar o programa de energia nuclear”, avisou Narges Bajoghli, investigador especializado em política iraniana da Universidade Johns Hopkins, ao Washington Post.

Apesar de o Parlamento do Irão já ter aumentado a quantidade de urânio enriquecido no país, suspendendo todas as inspeções da ONU, “o Irão dificilmente se pode dar ao luxo de escalar ataques de retaliação a Israel”, avaliou Ray Takeyh, do Council on Foreign Relations – sobretudo numa altura “em que não consegue gerir a sua economia ou conter a pandemia”.

Últimos tiros Talvez o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, que até nomeou diretamente Fakhrizadeh como culpado do programa nuclear iraniano, contasse com isso. Até agora, Telavive não negou nem confirmou estar por trás do atentado, mas o ataque segue o padrão prévio de ações clandestinas de Israel contra o programa nuclear iraniano, com ataques a cientistas ou misteriosos incêndios em instalações nucleares, discretamente admitidos por dirigentes israelitas à imprensa.

Netanyahu sabia muito bem que poderia não voltar a ter hipótese de ordenar um ataque destes. Em casa, enfrenta crise política após crise política, com o seu Governo de coligação prestes a ruir. E em breve perderia um grande aliado em Washington, com a derrota do Presidente Donald Trump por Joe Biden, que fica com uma batata quente diplomática nas mãos.