O papel de cada um


Não nos deixemos encantar ou iludir com os lugares de destaque. Em breve perceberem os o que querem fazer connosco.


Como é bom sermos estimados e valorizados pelo que somos! Pensei nisso depois da minha última ida ao supermercado.

Numa próxima ida às compras convido-vos a dar atenção à forma como os outros tratam os produtos que compram. Por certo hão de reparar que existe uma inegável distinção na forma como cada um guarda ou atira os produtos para dentro do carrinho ou do cesto. Mas os que não quiserem olhar para os outros podem simplesmente recordar ou observar os seus próprios gestos durante estes momentos – que ocupam uma boa parte do nosso quotidiano.

Sempre me impressionou a delicadeza com que tratamos o papel higiénico. Recordemos todas as vezes que pegámos na embalagem e lhe reservámos um lugar privilegiado – habitualmente no topo ou até no lugar concebido para sentar crianças de colo. Tratamo-lo como um autêntico bebé, chegamos a passeá-lo sozinho no cesto.

Este gesto contrasta com o que fazemos com outros produtos que simplesmente atiramos para dentro do carrinho das compras ou do cesto.

A forma como tratamos os produtos espelha o que fazemos, vezes sem conta, com as pessoas que estão ao nosso lado. Se a uns levamos ao colo, a outros tratamos com desprezo. Se nos são úteis, sorrimos, concordamos e acompanhamos os seus estados de espírito e opiniões, mesmo que estas sejam diferentes das nossas. Já quando é o contrário chegamos a hostilizar ou a menosprezar.

Voltemos às compras. O cuidado que pomos no manuseio de alguns produtos é revelador da intenção de não os estragar antes de os consumir, como seja o caso da fruta mais madura, por exemplo. O papel higiénico merece distinção. Vejamos, tem direito a um corredor, não se mistura com os restantes e, por isso, quando chega à nossa viatura damos-lhe primazia, guardando-o ou no topo da pilha de compras ou até mesmo ocupando um dos assentos do carro. Chegado a casa, tem um lugar privado. Se os objetos tivessem sentimentos, por certo sentir-se-ia o produto mais feliz de todos. Por esta razão podemos afirmar e defender o quanto seria bom sermos tratados, no mínimo, como o papel higiénico… É perfumado, de textura macia e de alvura tal que aparenta ser uma pérola da natureza.

Por outro lado, observemos a lata de conservas. É atirada de qualquer maneira. Talvez porque sabemos que é resistente, chega a ficar esquecida, caída em recantos da bagageira ou no fundo do armário. Mesmo que se amolgue, não há problema, pois a circunstância não adultera o que está no interior.

Aparentemente, pelo que acima expus, parece que na azáfama dos nossos dias mais vale ser tratado como papel higiénico do que como uma lata de conservas. Mas se assim é, estamos enganados.

As latas são úteis e vão muito além do conservar, quanto ao papel… bastará ver como ele acaba nas mãos de quem o tratou como um filho.

Por esta razão, não nos deixemos encantar ou iludir com os aplausos, com o regaço ou com os lugares de destaque. Em breve perceberemos o que querem fazer connosco.

 

Professor e investigador