Tal qual “thriller” salvou-se o Orçamento de Estado (OE) para 2021 à 25ª hora. Este é talvez o Orçamento em que todos os partidos políticos com representação parlamentar perdem e os portugueses respirarão de algum alívio, pois este Orçamento permitirá aplicar algumas medidas, que poderão significar, para muitos portugueses, manter-se à tona, aguardando uma vacina, à qual vem acoplada a esperança de melhores dias.
Era impensável somar crise (crise política) à crise (social e económica), no entanto todos os partidos políticos, sem exceção, teriam aqui culpas no cartório se tal acontecesse com um chumbo no orçamento, o que felizmente não veio a concretizar-se.
Dito isto, alguns comentários finais a todo este processo.
Torna-se cada vez mais evidente que a governação do país dificilmente ocorrerá sem o contributo, mais ou menos comprometido, de diversos partidos políticos com representação parlamentar. Isto significa que se exige de quem governa o esforço adicional de tudo fazer para obter a estabilidade política necessária. Como aqui escrevi em setembro, neste momento é ao Partido Socialista que cabe a maior fatia de responsabilidade para o esforço de entendimento e de compromisso, uma vez que é o partido que governa o país, mas acima de tudo, porque é o partido charneira de toda a esquerda portuguesa. Só o PS está em condições de o fazer e esse trabalho não se compadece com estados de alma, birras e processos de intenções sobre as propostas dos outros partidos que, à esquerda do PS, se mostram essenciais para a estabilidade governativa.
O reforço eleitoral do PS, nas últimas eleições legislativas, não foi um voto para impor a sua vontade aos outros, mas o reconhecimento da capacidade de diálogo e compromisso com a restante esquerda parlamentar. Portanto, o Governo do PS, em especial o “todo poderoso” Ministério das Finanças, não se pode comportar como se tivesse obtido uma maioria absoluta para governar. O compromisso exige cedências que escusam de ser à última hora, porque leva a que por vezes acabem por resultar em votos cruzados ao longo de todo o processo. O que fragiliza ainda mais o OE e poderia ser evitado com acordos atempadamente realizados.
Todos sabemos que o OE é bem mais que a previsão de receitas e despesas do Estado, mas fazer do Orçamento de Estado a manta de retalhos que ele é hoje, é, também, bem revelador da falta de entendimentos prévios quanto ao mesmo.
Neste OE para 2021 bateram-se recordes nas propostas de alteração/aditamento oriundas de todas as bancadas. Foram cerca de 1550, que nas palavras do Coordenador da UTAO, Rui Baleiras, em entrevista ao Négócios, é “um absurdo” com “má técnica legislativa”. Não diria melhor e, embora não tenha tido a oportunidade para fazer o inventário, veja-se a quantidade de legislação alterada, que em nada diz respeito ao Orçamento de Estado e que é feita através do Orçamento de Estado. Altera-se tudo. É uma má prática que vem do passado e que se tem agravado.
Os partidos políticos com assento parlamentar aproveitam-se da fragilidade de um Governo em necessidade e sem um Orçamento com viabilização assegurada, para, em detrimento de procedimento legislativo próprio quanto a determinadas matérias, inserirem alterações a todo um vasto leque de legislação na Lei do Orçamento de Estado. Quem depois tiver de executar, aplicar e interpretar a legislação que é alterada através do Orçamento que se amanhe.
Por fim, ninguém sabe ao certo como será a execução deste Orçamento. Se a execução ficar aquém do necessário dificilmente haverá condições para nova aprovação do OE para 2022. O Ministério das Finanças através do Decreto de Execução Orçamental é que terá nas mãos esse poder, que usa não poucas vezes, para impor a sua vontade que, também não poucas vezes, tem sido vencida no processo legislativo do OE. Veremos o que nos reserva o futuro.