O Japão, que há muito se debate com uma das maiores taxas de suicídio do planeta, enfrenta um novo pico de mortes em tempos de pandemia. Mais de 2100 pessoas morreram por suicídio em outubro, segundo as estatísticas oficiais, ultrapassando as 2074 mortes por covid-19 no país ao longo da pandemia.
Importa salientar que o Japão escapou relativamente incólume ao vírus e não chegou sequer a ter um confinamento tão estrito como o visto na Europa. Mas também sentiu uma brutal crise económica, bem como uma enorme transformação na vida laboral, que tem sido associada a este pico de suicídios.
“Pessoas que podiam estar bem antes desta crise agora estão com dificuldades”, assegurou Yukio Saito, ex-diretor de uma linha de apoio a pessoas com pensamentos suicidas. “Os stresses devido quebra económica estão a acumular-se e a tornar-se pior pela pressão social”, explicou ao South China Morning Post.
“O Japão ainda é uma sociedade muito conservadora. E muitas pessoas que subitamente perdem o seu emprego. ou não conseguem ganhar dinheiro suficiente, por mais que trabalhem no duro, têm um sentimento forte de responsabilidade por esse suposto falhanço”. Os entraves que a covid-19 cria não ajudam, sobretudo numa sociedade fechada como a japonesa. “Costumávamos viver num mundo onde falávamos cara a cara com clientes e colegas, depois íamos beber uns copos após o trabalho”, lembrou “Lucky” Morimoto, diretor de uma empresa de viagens de Tóquio, ao jornal chinês. “Isso desapareceu. Agora temos de trabalhar remotamente, as pessoas estão solitárias, não interagem”.
Mulheres na linha da frente Fatores como longos horários de trabalho, pressões escolares, isolamento social e uma dificuldade cultural em expressar emoções sempre foram vistos como motores da elevada taxa de suicídio no Japão. Mas o país fazia progressos – o ano passado houve cerca de 20 mil suicídios, um número avassalador, mas ainda assim o mais baixo alguma vez registado no Japão.
Contudo, tudo indica que o país baterá recordes este ano, após um aumento brutal dos suicídios em outubro. Sobretudo entre as mulheres, com um aumento de 83% nesse mês, comparativamente ao mesmo período do ano passado. “O Japão tem ignorado as mulheres”, lamentou Eriko Kobayashi, de 43 anos, que trabalha numa ONG e escreveu vários livros sobre depressão e saúde mental, após várias tentativas de suicídio. “Esta é uma sociedade onde as pessoas mais frágeis são postas de lado primeiro quando algo de mau acontece”, disse à CNN.
O aumento dos casos entre mulheres pode ser explicado pelo facto de comporem uma grande percentagem dos trabalhadores na área dos serviços, turismo e restauração, com vínculos precários, acabando por ser desproporcionalmente afetadas pela crise – 66% dos japoneses que perderam o emprego devido à pandemia são mulheres, segundo a Bloomberg. “É vergonhoso que outros conheçam a tua fragilidade, por isso escondes tudo, guardas dentro de ti e aguentas”, continuou Kobayashi. “Precisamos de criar uma cultura onde é ok mostrar a tua fraqueza e miséria”.