A política está na rua


Mussolini, na fase de crescimento do partido fascista em Itália, afirmou: “O nosso programa é simples: queremos governar a Itália”. O que nos faz isto lembrar?


Um partido de um só deputado na Assembleia da República, eleito há um ano, conquista na Região Autónoma dos Açores dois lugares no parlamento regional e revela-se determinante para a formação de um governo liderado pelo PSD.

A polémica à volta do papel do Chega e da sua definição ideológica só tem beneficiado o partido que, na prática, é o de um homem: André Ventura.

Quanto à sua definição política, os rótulos de fascista, racista e xenófobo podem, de facto, aplicar-se a algumas intervenções do seu líder, mas o partido escuda-se nos seus estatutos, onde se prevê a “defesa da democracia política”, a defesa da “liberdade nas suas diversas vertentes” e “a rejeição de todas as formas de racismo, xenofobia e de qualquer forma de discriminação, seja ela positiva ou negativa”, valores que lhe garantiram a sua legalização.

A questão está, pois, ao contrário de encontrar rótulos para atingir o Chega, o que parece estar a dar o efeito contrário, em encontrar argumentos e práticas políticas eficazes para travar o seu crescimento.

Sabe-se que não é fácil travar o movimento populista de direita que vem assolando diversos países europeus. Por outro lado, os dirigentes políticos portugueses acreditavam que o fenómeno não chegaria a Portugal ou que não teria qualquer expressão. Por isso, mantiveram as suas práticas, o seu discurso, os seus jogos de poder. Não se souberam preparar para o que aí vinha ou, pior ainda, são incapazes de qualquer mudança de fundo.

Na verdade, o que a direita radical está também a tentar conquistar é a rua. A mesma rua que foi património da esquerda ao longo de décadas.

Por isso, André Ventura aparece nas manifestações que não são organizadas por partidos ou por centrais sindicais. E o que está a acontecer é que, nessas mesmas manifestações, com larga cobertura mediática, já se nota a presença de elementos radicais que subvertem o espírito das reivindicações, como foi notório na manifestação dos proprietários e empregados da restauração.

Em simultâneo aparece um grupo denominado “Jornalistas pela verdade”, ao que tudo indica sem jornalistas credenciados, que faz o papel dos justiceiros, acusando órgãos de informação e provocando mesmo ameaças físicas a jornalistas.

A intimidação entrou abertamente no programa da direita radical.

A tentativa de descredibilização do jornalismo, numa altura em que as redes sociais – território fértil para a mentira e a manipulação – tentam dominar a informação, é outro objetivo desse programa.

O combate, portanto, chegou à rua. O discurso é simples e apelativo. Fazem-se acusações, mas não se apontam soluções concretas.

Mussolini, na fase de crescimento do partido fascista em Itália, afirmou: “O nosso programa é simples: queremos governar a Itália”.

O que nos faz isto lembrar?

Jornalista