Os “Hipócratas” portugueses


Frequentamos e vivemos tempos repletos de muita hipocrisia e falta de coerência na análise democrática portuguesa. Estamos perante o surgimento de uma nova “espécie” de políticos: Os “Hipócratas”, os hipócritas que se julgam grandes democratas. Comecemos pelo enquadramento. Hipócrita é aquele que finge ter crenças, ideias, ideologia e sentimentos que, de facto, o próprio na…


Frequentamos e vivemos tempos repletos de muita hipocrisia e falta de coerência na análise democrática portuguesa. Estamos perante o surgimento de uma nova “espécie” de políticos: Os “Hipócratas”, os hipócritas que se julgam grandes democratas.

Comecemos pelo enquadramento. Hipócrita é aquele que finge ter crenças, ideias, ideologia e sentimentos que, de facto, o próprio na verdade não possui. Pior, exige que os outros se comportem dentro de certos parâmetros de conduta moral que o próprio extrapola ou deixou de adotar. A palavra deriva de origem no latim, de duas palavras (hypocrisis e hupokrisis), sendo que ambas significam a representação de um ator, a simulação e o fenómeno do fingimento. Na literatura, é possível vermos que esta palavra passou historicamente a designar moralmente pessoas que representam (a nível artístico) ou que fingem comportamentos.

Sobre o que é ser-se Democrata, gosto de acreditar que ainda é aquele que defende piamente e acredita conscientemente no regime político em que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente (seja por via direta ou através de representantes eleitos) na construção da proposta, no conceção da medida, na elaboração das políticas públicas, na contextualização de Leis via órgãos legislativos e, claro, exercendo o poder da governação através de eleição por sufrágio universal. Paralelamente, mais difícil nesta sociedade, Democrata é aquele que coloca a dignidade do debate político “em cima da mesa” e que o defende. É aquele que trabalha na melhoria das condições sociais, económicas e culturais da sociedade de forma abnegada e, sobretudo, que não abdica dos seus princípios, valores, e dos ideais que defende coerentemente(!) com capacidade de discernir entre a ideologia e a democracia evolutiva do seu Estado e da sua sociedade. É o verdadeiro “politikós” do latim, o Estadista que se ocupa da Política como Sócrates e Platão defenderam.

Outrora no tempo não seria fácil conciliar na democracia tanta hipocrisia, hoje é fácil ser-se um democrata hipócrita (um “Hipócrata”). Felizmente ainda há aqueles que gostam do passado, nem que seja porque todos nascemos nele. E isso traz à razão a lógica histórica da política.

Comecemos pelo exemplo daqueles que estão livres na política e estes dias foram “presos” a falsos moralismos.

A maior virtude histórica, na democracia, do PSD e do PS, que lhes confere o estatuto de grandes "partidos do arco da governação", certamente por sufragar ao longo destas quatro décadas a maior escolha em urna do eleitorado português, é a pluralidade de opinião, a diferença e, sobretudo, a manutenção daqueles quadros que são livres e sentem liberdade de dizer o que acham mesmo que o aparelho político-partidário trema de terror. Hoje há menos desses quadros, é um triste fado político.

Estes dias, surgiram os “Hipócratas” portugueses nas suas análises políticas da espuma dos dias. Desta feita, os “Hipócratas” caíram de desamores sobre o conceituado socialista e libertário (cá está, só podia ser de esquerda), Sérgio Sousa Pinto.

Esta semana, assistimos a vários ataques de uma certa esquerda política a Sérgio Sousa Pinto (que não é órfão no PS), deslegitimando-o ou desqualificando-o por dizer livremente o que acha e, consequentemente, muita direita política aplaudiu e regozijou as suas palavras. Sabemos que houve direita política nacional a partilhar até onde pôde, e conseguiu, o facto de um socialista ter livremente partilhado a opinião pessoal de que não faz falta “um Governo prisioneiro dos mitos estalinistas do passado e do esquerdismo que alinha com os trotskistas da LCI (Liga Comunista Internacional)”, como fez Sérgio Sousa Pinto.

No entanto, esta mesma direita política que hoje aplaude e regozija-se a ouvir e ler um socialista atacar parte da esquerda política, é a mesma que criticou severamente a liberdade do social-democrata, José Pacheco Pereira (que não é órfão no PSD), quando, entre 2011 e 2015, nos anos de Governação PSD/CDS-PP liderada por Pedro Passos Coelho, criticou parte da direita política.

Os aplausos, os tweets e as partilhas da esquerda política eufórica algures entre 2011 e 2015 com os comentários e artigos escritos de um social-democrata a, livremente, emitir opinião pessoal contra o que entendia ser a “balcanização do PSD” de então são agora “Hipocratamente” transferidos para uma ala ideológica da direita política.

Seja do lado A ou do lado B, desta história de desamores pelos seus Camaradas ou Companheiros, ambos os casos representam bem o significado dos “Hipócratas portugueses”.

Sem necessidade de lupa, saibam estes “Hipócratas”, que procuram nas costas do outro a sua frente que desconhecem, que o PSD e o PS serão tanto maiores em Portugal quantos mais «Pachecos Pereiras» e «Sousas Pintos» existirem, reconhecendo o seu esteio ideológico vincado e equilibrado, representam o que o país moderado e ao centro (numa altura em que papagueiam tanto os “extremistas”!) aplaude.

Podemos discordar? Claro. Mas isso podemos sempre, a democracia assim o permite. Seja contra o José ou contra o Sérgio. Sejamos livres.

Outro caso irrevogável de paixão “Hipócrata”: O rearranjo parlamentar versus o Partido mais votado. As eleições nos Açores, sem medos, trouxeram à superfície o lado A e o lado B, novamente, dos “Hipócratas” desta sociedade.

Se em 2015, a ala mais à esquerda política rejubilou com o facto do Partido mais votado (PSD de Pedro Passos Coelho) não conseguir formar Governo em virtude de um “inovador” rearranjo parlamentar – e sim, vivemos de cultura parlamentarista, não há ilegalidade alguma – fazer o PS assinar por escrito um acordo com a Extrema-Esquerda e, assim, formar a “Geringonça” que levou António Costa de derrotado a Primeiro-ministro, temos hoje, em 2020, essa mesma ala à esquerda a criticar o rearranjo parlamentar na região dos Açores que fez o derrotado PSD/Açores de José Manuel Bolieiro, juntamente com o CDS-PP e PPM (com aceitação parlamentar regional do IL e da extrema-direita), não permitir ao Partido mais votado (PS de Vasco Cordeiro) liderar o Governo Regional dos Açores.

Há aqui dois momentos de esquizofrenia política:

1- O PS deveria aceitar sem pestanejar, agora em 2020, o caso de rearranjo parlamentar de direita nos Açores. Mas sem discutir sequer, dado que festejaram efusivamente este “passo na democracia” (diziam e escreviam) em 2015 quando derrubaram Passos Coelho e o PSD, que tinha vencido as eleições Legislativas, ao formarem a “Geringonça” de António Costa por acordo parlamentar à esquerda.

2- O PSD jamais deveria aceitar governar, não sendo o partido político mais votado em sufrágio, sob que condição fosse em virtude de um rearranjo parlamentar à direita (como este caso de José Manuel Bolieiro nos Açores em 2020) quando tanto criticou, e até sofreu, por ganhar o país e vencer eleições em 2015 para posteriormente ver um rearranjo parlamentar à esquerda, alcançado pelo PS com a extrema-esquerda, dar a António Costa o cargo de Primeiro-ministro.

Não se deve criticar quem outrora defendeu a legitimidade parlamentar de blocos (tão aplicada noutros países), aqueles que tanto em 2015 como em 2020 veem que a realidade política é assente no maior número de mandatos parlamentares para formar Governo. Como também é de aceitar aqueles que em 2015 entendiam que Pedro Passos Coelho, sendo o líder do programa político mais votado, devia ser Primeiro-ministro de Portugal, e agora em 2020, Vasco Cordeiro, por ter o programa político mais sufragado nas Eleições Regionais dos Açores, devia liderar o Governo Regional. Esses, democratas, coerentes na uma linha de ação e conscientes da visão política que defendem, estão certos.

Irracional é aceitarmos sem criticar quem, em 2015, criticou a forma de António Costa chegar à liderança de um Governo, tendo perdido eleições, e agora em 2020 defende com unhas e dentes José Manuel Bolieiro a liderar o Governo Regional dos Açores tendo perdido também. Irracional é aceitarmos quem, em 2015, aplaudiu a agregação parlamentar entre a extrema-esquerda até ao centro-esquerda democrático vir, agora, em 2020, criticar a agregação parlamentar regional dos Açores do centro-direita e da direita conservadora com aceitação ainda de um partido de extrema-direita. Os extremos, à direita e à esquerda, são dispensáveis. Eram em 2015 e são em 2020.

Este fanatismo e clubite aguda representa bem a degradação do debate político. Estes “Hipócratas” que só vivem para o momento que lhes interessa são dispensáveis à democracia portuguesa.

O país precisa dos coerentes e livres democratas que “por aí andam”, seja Sousa Pinto, Pacheco Pereira ou simples anónimos, mas que sejam portugueses que tenham verticalidade política e mantenham a dignidade de debate viva.

Que nos dissociemos dos Hipócritas, que sejamos só «Democratas» na verdadeira aceção da palavra.

Carlos Gouveia Martins

Os “Hipócratas” portugueses


Frequentamos e vivemos tempos repletos de muita hipocrisia e falta de coerência na análise democrática portuguesa. Estamos perante o surgimento de uma nova “espécie” de políticos: Os “Hipócratas”, os hipócritas que se julgam grandes democratas. Comecemos pelo enquadramento. Hipócrita é aquele que finge ter crenças, ideias, ideologia e sentimentos que, de facto, o próprio na…


Frequentamos e vivemos tempos repletos de muita hipocrisia e falta de coerência na análise democrática portuguesa. Estamos perante o surgimento de uma nova “espécie” de políticos: Os “Hipócratas”, os hipócritas que se julgam grandes democratas.

Comecemos pelo enquadramento. Hipócrita é aquele que finge ter crenças, ideias, ideologia e sentimentos que, de facto, o próprio na verdade não possui. Pior, exige que os outros se comportem dentro de certos parâmetros de conduta moral que o próprio extrapola ou deixou de adotar. A palavra deriva de origem no latim, de duas palavras (hypocrisis e hupokrisis), sendo que ambas significam a representação de um ator, a simulação e o fenómeno do fingimento. Na literatura, é possível vermos que esta palavra passou historicamente a designar moralmente pessoas que representam (a nível artístico) ou que fingem comportamentos.

Sobre o que é ser-se Democrata, gosto de acreditar que ainda é aquele que defende piamente e acredita conscientemente no regime político em que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente (seja por via direta ou através de representantes eleitos) na construção da proposta, no conceção da medida, na elaboração das políticas públicas, na contextualização de Leis via órgãos legislativos e, claro, exercendo o poder da governação através de eleição por sufrágio universal. Paralelamente, mais difícil nesta sociedade, Democrata é aquele que coloca a dignidade do debate político “em cima da mesa” e que o defende. É aquele que trabalha na melhoria das condições sociais, económicas e culturais da sociedade de forma abnegada e, sobretudo, que não abdica dos seus princípios, valores, e dos ideais que defende coerentemente(!) com capacidade de discernir entre a ideologia e a democracia evolutiva do seu Estado e da sua sociedade. É o verdadeiro “politikós” do latim, o Estadista que se ocupa da Política como Sócrates e Platão defenderam.

Outrora no tempo não seria fácil conciliar na democracia tanta hipocrisia, hoje é fácil ser-se um democrata hipócrita (um “Hipócrata”). Felizmente ainda há aqueles que gostam do passado, nem que seja porque todos nascemos nele. E isso traz à razão a lógica histórica da política.

Comecemos pelo exemplo daqueles que estão livres na política e estes dias foram “presos” a falsos moralismos.

A maior virtude histórica, na democracia, do PSD e do PS, que lhes confere o estatuto de grandes "partidos do arco da governação", certamente por sufragar ao longo destas quatro décadas a maior escolha em urna do eleitorado português, é a pluralidade de opinião, a diferença e, sobretudo, a manutenção daqueles quadros que são livres e sentem liberdade de dizer o que acham mesmo que o aparelho político-partidário trema de terror. Hoje há menos desses quadros, é um triste fado político.

Estes dias, surgiram os “Hipócratas” portugueses nas suas análises políticas da espuma dos dias. Desta feita, os “Hipócratas” caíram de desamores sobre o conceituado socialista e libertário (cá está, só podia ser de esquerda), Sérgio Sousa Pinto.

Esta semana, assistimos a vários ataques de uma certa esquerda política a Sérgio Sousa Pinto (que não é órfão no PS), deslegitimando-o ou desqualificando-o por dizer livremente o que acha e, consequentemente, muita direita política aplaudiu e regozijou as suas palavras. Sabemos que houve direita política nacional a partilhar até onde pôde, e conseguiu, o facto de um socialista ter livremente partilhado a opinião pessoal de que não faz falta “um Governo prisioneiro dos mitos estalinistas do passado e do esquerdismo que alinha com os trotskistas da LCI (Liga Comunista Internacional)”, como fez Sérgio Sousa Pinto.

No entanto, esta mesma direita política que hoje aplaude e regozija-se a ouvir e ler um socialista atacar parte da esquerda política, é a mesma que criticou severamente a liberdade do social-democrata, José Pacheco Pereira (que não é órfão no PSD), quando, entre 2011 e 2015, nos anos de Governação PSD/CDS-PP liderada por Pedro Passos Coelho, criticou parte da direita política.

Os aplausos, os tweets e as partilhas da esquerda política eufórica algures entre 2011 e 2015 com os comentários e artigos escritos de um social-democrata a, livremente, emitir opinião pessoal contra o que entendia ser a “balcanização do PSD” de então são agora “Hipocratamente” transferidos para uma ala ideológica da direita política.

Seja do lado A ou do lado B, desta história de desamores pelos seus Camaradas ou Companheiros, ambos os casos representam bem o significado dos “Hipócratas portugueses”.

Sem necessidade de lupa, saibam estes “Hipócratas”, que procuram nas costas do outro a sua frente que desconhecem, que o PSD e o PS serão tanto maiores em Portugal quantos mais «Pachecos Pereiras» e «Sousas Pintos» existirem, reconhecendo o seu esteio ideológico vincado e equilibrado, representam o que o país moderado e ao centro (numa altura em que papagueiam tanto os “extremistas”!) aplaude.

Podemos discordar? Claro. Mas isso podemos sempre, a democracia assim o permite. Seja contra o José ou contra o Sérgio. Sejamos livres.

Outro caso irrevogável de paixão “Hipócrata”: O rearranjo parlamentar versus o Partido mais votado. As eleições nos Açores, sem medos, trouxeram à superfície o lado A e o lado B, novamente, dos “Hipócratas” desta sociedade.

Se em 2015, a ala mais à esquerda política rejubilou com o facto do Partido mais votado (PSD de Pedro Passos Coelho) não conseguir formar Governo em virtude de um “inovador” rearranjo parlamentar – e sim, vivemos de cultura parlamentarista, não há ilegalidade alguma – fazer o PS assinar por escrito um acordo com a Extrema-Esquerda e, assim, formar a “Geringonça” que levou António Costa de derrotado a Primeiro-ministro, temos hoje, em 2020, essa mesma ala à esquerda a criticar o rearranjo parlamentar na região dos Açores que fez o derrotado PSD/Açores de José Manuel Bolieiro, juntamente com o CDS-PP e PPM (com aceitação parlamentar regional do IL e da extrema-direita), não permitir ao Partido mais votado (PS de Vasco Cordeiro) liderar o Governo Regional dos Açores.

Há aqui dois momentos de esquizofrenia política:

1- O PS deveria aceitar sem pestanejar, agora em 2020, o caso de rearranjo parlamentar de direita nos Açores. Mas sem discutir sequer, dado que festejaram efusivamente este “passo na democracia” (diziam e escreviam) em 2015 quando derrubaram Passos Coelho e o PSD, que tinha vencido as eleições Legislativas, ao formarem a “Geringonça” de António Costa por acordo parlamentar à esquerda.

2- O PSD jamais deveria aceitar governar, não sendo o partido político mais votado em sufrágio, sob que condição fosse em virtude de um rearranjo parlamentar à direita (como este caso de José Manuel Bolieiro nos Açores em 2020) quando tanto criticou, e até sofreu, por ganhar o país e vencer eleições em 2015 para posteriormente ver um rearranjo parlamentar à esquerda, alcançado pelo PS com a extrema-esquerda, dar a António Costa o cargo de Primeiro-ministro.

Não se deve criticar quem outrora defendeu a legitimidade parlamentar de blocos (tão aplicada noutros países), aqueles que tanto em 2015 como em 2020 veem que a realidade política é assente no maior número de mandatos parlamentares para formar Governo. Como também é de aceitar aqueles que em 2015 entendiam que Pedro Passos Coelho, sendo o líder do programa político mais votado, devia ser Primeiro-ministro de Portugal, e agora em 2020, Vasco Cordeiro, por ter o programa político mais sufragado nas Eleições Regionais dos Açores, devia liderar o Governo Regional. Esses, democratas, coerentes na uma linha de ação e conscientes da visão política que defendem, estão certos.

Irracional é aceitarmos sem criticar quem, em 2015, criticou a forma de António Costa chegar à liderança de um Governo, tendo perdido eleições, e agora em 2020 defende com unhas e dentes José Manuel Bolieiro a liderar o Governo Regional dos Açores tendo perdido também. Irracional é aceitarmos quem, em 2015, aplaudiu a agregação parlamentar entre a extrema-esquerda até ao centro-esquerda democrático vir, agora, em 2020, criticar a agregação parlamentar regional dos Açores do centro-direita e da direita conservadora com aceitação ainda de um partido de extrema-direita. Os extremos, à direita e à esquerda, são dispensáveis. Eram em 2015 e são em 2020.

Este fanatismo e clubite aguda representa bem a degradação do debate político. Estes “Hipócratas” que só vivem para o momento que lhes interessa são dispensáveis à democracia portuguesa.

O país precisa dos coerentes e livres democratas que “por aí andam”, seja Sousa Pinto, Pacheco Pereira ou simples anónimos, mas que sejam portugueses que tenham verticalidade política e mantenham a dignidade de debate viva.

Que nos dissociemos dos Hipócritas, que sejamos só «Democratas» na verdadeira aceção da palavra.

Carlos Gouveia Martins