Rio e a vacina anti-Chega


Há quem confunda placebos com medicamentos, curando a doença com a morte política.


A eficácia da vacinação assenta na exposição de organismos saudáveis a elementos patogénicos na quantidade e condição certas para provocarem a imunização. Este tratamento é há muito tempo conhecido na vida política. No Portugal do PREC ficou célebre a proposta de Kissinger para vacinar as democracias do sul da Europa contra os malefícios do comunismo. Portugal, ao cair nas mãos do PCP, vacinaria outros Estados contra a mesma “doença”. Felizmente para as lusas gentes não foi preciso levar com a pica, muito por mérito de Mário Soares e de Frank Carlucci, que apostaram noutra terapia menos invasiva.

Almas mais cáusticas dirão que, pelo Largo do Rato, o efeito de imunização da vacina contra a extrema-esquerda durou até 2015, quando António Costa recuperou a saúde política distribuindo generosamente colheradas do xarope “Geringonça”. Permito-me discordar desta visão. A imunização continuou activa na medida em que nem o Bloco nem o PCP passaram a ter assento no Conselho de Ministros. O Bloco teria gostado de o fazer; o PCP, sempre cunhalista mesmo sem Cunhal, manteve-se fiel à desconfiança em relação à democracia burguesa e aos seus Governos. Costa promoveu a compita entre os dois partidos à esquerda e foi levantando a cenoura, tendo conseguido que Bloco e PCP saltassem cada vez mais alto. Entre 2015 e 2019, a extrema-esquerda não entrou para o Governo e também não consta que tenha governado Portugal (podem perguntar a Kissinger).

Já a saúde da direita foi minguando, primeiro com delírios de grandeza por parte da liderança do PSD, depois com um caso grave de raquitismo no CDS que lhe levou, primeiro, o PP e, depois, os eleitores. Passos Coelho acabou por se ir embora e, para os que já se esqueceram, teve como candidatos à sucessão Rio e Santana Lopes. Por falta de comparência do diabo ganhou Rio. E logo se deu a primeira pandemia partidária à direita com o surgimento de uma Aliança sem dedo, uma Iniciativa dita Liberal e um offspring do PSD testado autarquicamente em Loures.

O líder do Chega seguiu as melhores técnicas dos feirantes dos mercados de levante, gritando muito e insultando mais, para chamar a atenção dos fregueses. Foi o bastante para se sentar na Assembleia da República. Desafiado internamente pelos que queriam um programa político, seguiu a melhor tradição partidária demitindo-se e promovendo a eleição de uma “nova” liderança por si encabeçada. Na distribuição de etiquetas colam-se aos discursos do líder do Chega os apodos populista, xenófobo e racista. Não os contesto, mas não esqueço o qualificativo oportunista.

A chegada ao arco do poder aconteceu no meio do Atlântico, sem preparação nem acordo público. O PSD dividiu-se entre a linha pragmática, com tradições limianas, e os jiadistas que temem a chegada da peste à Rua de Sant’Ana à Lapa.

Os próximos de Rio julgam ver o alargar da margem de manobra política, fugindo ao abraço de urso de um bloco central promovido pela pandemia, e a chegada ao poder de braço dado com um Chega “moderado”.

Pelo PS gritam contra os pestíferos da extrema-direita, na esperança de que os eleitores moderados do PSD fujam para o centro-esquerda.

No Continente, e ao contrário do que se passa nos Açores, o Chega exigirá ir para o Governo, substituindo com esteróides o tradicional papel de junior partner do PSD desempenhado pelo CDS. E essa será a verdadeira vacina contra o Chega. Resta saber se o PSD resiste ou se o corpo estranho toma conta dele.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990