O rei vai nu


Sim, os reis vão nus, a política vai nua, a educação vai nua, a informação vai nua e ninguém diz nada.


Já todos fomos confrontados com perguntas como “Fica-me bem?” ou “Parece-te bem?”

Segundo os bons ensinamentos, devemos dizer sempre a verdade. Aprendemos esta lição com os pais, com os professores e com muitos outros amigos e conhecidos com quem nos vamos cruzando ao longo da vida. Mas estamos perante um problema. E qual será o problema? Vejamos:

Estando certa vez uma criança em casa com a mãe, eis que o telefone toca. A mãe pede-lhe para atender, acrescentando: “Se for para mim, diz que não estou”. A criança atende o telefone. Do outro lado da linha chega a voz de uma colega de trabalho que pergunta: “A mãe está?” O pequeno declara: “A mãe manda dizer que não está”. Final da história: a criança leva uma bofetada, é desmentida pela mãe e fica de castigo.

Com este exemplo se entende o quão contraditório é o ambiente que nos rodeia e, por isso, quanto a este ponto, escuso-me a mais considerações.

Porém, não posso deixar de recordar uma outra questão. Julgo que quem nos confronta e nos pede um parecer não está, na maior parte dos casos, a pedir-nos para dizer o que pensamos. Na verdade, quer apenas saber se concordamos e se lhe damos razão. As pessoas em geral necessitam deste sentimento da aprovação de terceiros e, habitualmente, não têm a capacidade de se assumirem e valorizarem naquilo que valem. Enganamo-nos e queremos que nos enganem. Por isso se pode afirmar que poucos são os que têm a capacidade de aceitar uma opinião sincera, e para exercitar esta virtude há que, primeiro, exercitar outras como a humildade, a tolerância, a honestidade ou a modéstia – valores que já não se aprendem na escola, nem em casa, nem na rua. Há exceções.

Exigimos respostas às nossas perguntas ao mesmo tempo que as viciamos e condicionamos subtilmente. Concordam comigo, não concordam?

Neste ciclo, quase sem fim, alimentamos o nosso espírito, ou melhor, o nosso ego, com elogios despojados de valor ou sentido algum. Será que ainda ninguém percebeu que nos andam a cantar a cantiga do bandido? Anda meio mundo a enganar o outro meio. Não estou errado, pois não?

Há dias em que me sinto como se estivesse dentro da história que fala de um rei que vai nu. Sim, os reis vão nus, a política vai nua, a educação vai nua, a informação vai nua e ninguém diz nada. Com tudo isto, talvez o melhor seja pararmos e olharmo-nos de imediato ao espelho – pode ser que também nós estejamos nus. Será que vivemos num mundo de nudistas e ninguém nos disse nada? É que, se assim é, devemos ter muito cuidado com os mirones… há sempre um à espreita.

Tudo isto porque alguém me perguntou o que pensava sobre uma tese de doutoramento que continha uma ideia plagiada. Para não dizer exatamente o que pensava, de forma a não ferir suscetibilidades, acabei por citar o pensamento que resulta dos hábitos de vida académica: em vez de copiares só por um, copia por vários. É que se copiares por um, é plágio; copiando por vários, é uma investigação.

 

Professor e investigador