Durante algum tempo a comunicação social entendeu ser do interesse público saber se os políticos teriam ou não consumido drogas leves. Alguns, quando confrontados com a questão e não antevendo o impacto da resposta na opinião dos eleitores, encontraram na formulação “fumei, mas não inalei” uma tentativa de resposta que pudesse, por um lado, assumir a verdade e, por outro, desvalorizar o facto, assumindo que fumaram sem, contudo, terem sido expostos à nocividade da substância ilegal. Uma espécie de mitigação dos efeitos.
Podemos também encontrar uma outra expressão, esta de inspiração norte-americana, tendo em conta o facto de na última semana termos estado todos embrenhados na realidade eleitoral norte-americana, “what happens in Vegas stay in Vegas”. Em tradução livre para português “o que acontece nos Açores, fica nos Açores”.
Estes dois exemplos resumem na perfeição o comportamento do PSD, do CDS e da Iniciativa Liberal em relação ao acordo que efetuaram com o Chega, após terem afirmado que mais facilmente rasgariam as vestes a entenderem-se com a extrema direita nacional.
Em abono da verdade, Rui Rio, terá sido ambíguo quanto a esse propósito, uma vez que em julho terá deixado, em entrevista ao Expresso, essa porta aberta, e depois terá dado o dito pelo não dito devido à pressão pública. Não subsistem, no entanto, quaisquer dúvidas quanto às posições políticas dos líderes do CDS e da Iniciativa Liberal rejeitando quaisquer coligações com a extrema-direita (Chega), nomeadamente em cenário eleitoral autárquico.
Desde esse tempo para cá aconteceu a realidade e perante a oportunidade, legítima diga-se, de poder assumir o poder na região autónoma dos Açores deitaram-se ao mar, algures no Canal, rapidamente os princípios.
Esta opinião não contesta a legitimidade dos acordos que os partidos de direita fizeram com o objetivo de assegurar uma maioria parlamentar que suporte o governo regional dos Açores, mas pretende assinalar publicamente que, para o PSD, o CDS e agora também para a Iniciativa Liberal, tudo vale para serem ou exercerem o poder, nem que para isso tenham de acordar governar com um Partido Político que é xenófobo, defende a discriminação entre cidadãos, que qualifica os mais desfavorecidos como ociosos e se encontra nos antípodas do Estado de Direito tal qual o conhecemos e defendemos. Portanto, sim, foram ultrapassadas várias linhas vermelhas e quem liderou isso foi o PSD de Rui Rio.
Alguns, para defenderem esta posição política do PSD, argumentam com os acordos celebrados entre o PS, o PCP, o BE e o PEV para governar Portugal em 2015, tentando equiparar a situação. Ora não se pode comparar o incomparável.
Comparar uma coligação com partidos que defendem os trabalhadores, a inclusão, uma melhor redistribuição da riqueza e que, nos seus efeitos práticos, devolveu aos portugueses a dignidade enquanto cidadãos e inverteu as más políticas que lhes tinha retirado direitos, acabando com a sobretaxa, aumentando o salário mínimo, descongelado as carreiras, alterando os escalões do IRS, etc., com uma coligação com quem defende a redução para metade da atribuição do RSI e cujos beneficiários devem trabalhar para receber esse rendimento, em vez de lhes ser dado trabalho legal, o fim da autonomia regional, discriminação ativa de etnias e outras medidas que põem em causa o nosso ordenamento jurídico-constitucional, é confundir a beira da estrada com a Estrada da Beira.
Também, não colhe, o argumento que não foi celebrado nenhum acordo/coligação entre estes partidos quer ao nível regional, quer ao nível nacional, pois essa argumentação, tendo em conta a semântica, é uma péssima tentativa de escamotear o que na realidade se trata – PSD, CDS e IL juntaram-se ao Chega para obterem o poder.
Se dúvidas houvesse, o que se passou nos Açores mostra bem até onde Rui Rio e o PSD está disposto a ir para obter o poder político. Empenhará os já poucos valores e princípios democráticos, que possa ainda ter, por um prato de lentilhas.
Caro Dr. Rui Rio, fumar sem inalar conta o mesmo e os princípios não caem no Atlântico na viagem do continente para os Açores.
Duas breves notas finais: uma para o PS/Açores e para Vasco Cordeiro que ao longo dos últimos 24 anos trabalharam pelo desenvolvimento e progresso da Região, o resultado desse trabalho enche de orgulho qualquer socialista e os açorianos voltaram a reconhecer isso mesmo com a vitória nas últimas eleições regionais.
A segunda nota, para assinalar a enorme vitória da decência, da democracia e da liberdade nos EUA. Joe Biden foi, não só um candidato democrata que voltou a ter o voto da classe trabalhadora do chamado “Rust Belt” (Michigan, Pensilvânia e Wisconsin), como foi o Presidente eleito com mais votos de sempre na história norte-americana. Os norte-americanos perceberam bem o que estava em causa nestas eleições e mobilizaram-se contra isso. Em Portugal acontecerá o mesmo, caso um dia seja necessário.