A raiz dos problemas (III)


Vivemos um período difícil; pode ser, ainda assim, também, um momento de unidade favorável à realização do bem comum.


Vivemos um período difícil, um período diferente de quase todos os outros por que passámos recentemente.

Nele domina a questão da pandemia, mas não apenas esta.

Muitos são os que sobre este período difícil tecem e dão opiniões: opiniões políticas, opiniões científicas, opiniões morais e até culturais, opiniões, enfim.

 As circunstâncias do momento evoluem, porém, depressa e nada parece duradouro e seguro.

Por isso, muitas dessas opiniões – se opiniões lhes podemos chamar, pois algumas carecem de algum fundamento racional – são rapidamente contraditadas e remetidas ao esquecimento.

É, pois, um momento propício à desinformação e à demagogia.

Pode ser, ainda assim, sobretudo, um momento de unidade favorável à realização do bem comum.

Tem de o ser. É imperativo que o seja.

Durante a primeira fase da pandemia todos fomos capazes, de certa maneira, de encontrar formas de exprimir essa unidade e de projetar o bem comum para primeiro plano: a maior parte das atitudes políticas e sociais das forças mais influentes na nossa sociedade souberam fazê-lo bem e sem perder a face ou escamotear os ideais e interesses que sempre as orientaram.

Claro está que tais interesses e ideais não coincidiam então, nem tão pouco coincidem hoje; nem é isso que se esperava, ou espera.

Porém, a necessidade de preservar os laços essenciais que nos permitem pensar como uma nação soberana, com características históricas, culturais e económicas próprias, foi suficiente para todos, ou quase, fazer convergir na eleição do Estado como instrumento democrático e privilegiado de apoio à maioria dos cidadãos.

Até os mais liberais se vergaram à evidência das coisas, à necessidade da intervenção do Estado em áreas muito alargadas da economia e da vida quotidiana dos cidadãos.

Tal atitude de convergência tinha como primeira preocupação a salvaguarda da saúde e a da vida de todos e, não menos importante, como segunda preocupação, a defesa do trabalho e dos setores essenciais da economia, condições básicas para assegurar os cuidados sanitários exigidos.

Hoje, o cansaço provocado pelo agravamento da situação, o medo gerado pela inexistência de uma perspetiva acessível e imediata para conter e debelar a pandemia, começaram a gerar fenómenos de insatisfação social, de alguma raiva mal contida e, consequentemente, de algum nervosismo e desorientação política.

A vida de muita gente deteriorou-se gravemente em todos os sentidos e campos: na saúde, no trabalho, nos negócios, na escola, nos transportes, na família, enfim na realização da vida de cada um, encarada esta como um conjunto coerente de ação individual e coletiva, relacionamento social, amores, alegrias e tristezas.  

O clima que se está a gerar é, por isso, perigoso e pode motivar reações sociais imprevistas e desenquadradas de qualquer objetivo definido: reações que podem ir da desobediência civil simples ao desespero e à violência.

Nestas circunstâncias, haverá sempre quem se queira aproveitar politicamente desse clima; quem o deseje e o provoque até.

Isso só não terá consequências graves se as forças políticas e sociais do arco constitucional não condescenderem – como se começa a ver que pode acontecer– com ideais e comportamentos antidemocráticos, oportunistas e perigosos.

A unidade em torno do bem comum tem de assentar, pois, na defesa da Constituição e na plataforma política, jurídica, social e económica que ela estabelece. Ela é a verdadeira plataforma comum da nossa coexistência democrática e, assim, também, a fronteira que deve ser afirmada e defendida em todas as circunstâncias.

Fora dela, só pode haver lugar ao acentuar das injustiças gritantes – ainda existentes – e ao retrocesso na base dos direitos políticos, sociais e económicos que orientam, no essencial, a vida cívica do nosso país, desde a construção da democracia.

Se todos os que se reveem na Constituição conseguirem, portanto, ir adotando medidas com ela conformes, que não só assegurem a decência da vida presente da maioria dos portugueses, mas sirvam já de miradouro para um futuro mais solidário e justo, o oportunismo reacionário e violento não terá sucesso. 

Necessário, para isso, é que todos saibam distinguir o essencial do acessório e que todas as forças morais do país – nelas se integrando, necessariamente, por exemplo, as de inspiração religiosa e as que deveriam ser transmitidas pelas corporações profissionais – não se disputem em razão de preconceitos obsoletos, calculismos pessoais ou políticos de curto prazo, minudências distintivas e fúteis e se deixem por estas instrumentalizar, ou queiram, por essa via, instrumentalizar os cidadãos.

Não é o momento para isso: nunca o foi, nunca o será.

Por outro lado, é necessário, também, que o discurso mediático da intriga política verrinosa e circunstancial ceda, pelo menos agora, às exigências do momento, dando lugar a análises frias, desapaixonadas e objetivas da realidade que vivemos.

Só analisando com seriedade as questões fundamentais que hoje nos afligem, podemos ir ao encontro da raiz dos problemas, em busca de soluções de justiça e eficácia.

Só assim se encontrarão, simultaneamente, também, os consensos necessários às medidas que se têm de tomar hoje e que, seguramente, hão-de mudar várias vezes, conforme as circunstâncias da pandemia.

Só quem mais sofre os malefícios da crise está – injusta e sacrificadamente – em condições de compreender, aqui e agora, o que importa assegurar, quais os interesses imediatos a que atender, com a maior urgência e com todas as forças.


A raiz dos problemas (III)


Vivemos um período difícil; pode ser, ainda assim, também, um momento de unidade favorável à realização do bem comum.


Vivemos um período difícil, um período diferente de quase todos os outros por que passámos recentemente.

Nele domina a questão da pandemia, mas não apenas esta.

Muitos são os que sobre este período difícil tecem e dão opiniões: opiniões políticas, opiniões científicas, opiniões morais e até culturais, opiniões, enfim.

 As circunstâncias do momento evoluem, porém, depressa e nada parece duradouro e seguro.

Por isso, muitas dessas opiniões – se opiniões lhes podemos chamar, pois algumas carecem de algum fundamento racional – são rapidamente contraditadas e remetidas ao esquecimento.

É, pois, um momento propício à desinformação e à demagogia.

Pode ser, ainda assim, sobretudo, um momento de unidade favorável à realização do bem comum.

Tem de o ser. É imperativo que o seja.

Durante a primeira fase da pandemia todos fomos capazes, de certa maneira, de encontrar formas de exprimir essa unidade e de projetar o bem comum para primeiro plano: a maior parte das atitudes políticas e sociais das forças mais influentes na nossa sociedade souberam fazê-lo bem e sem perder a face ou escamotear os ideais e interesses que sempre as orientaram.

Claro está que tais interesses e ideais não coincidiam então, nem tão pouco coincidem hoje; nem é isso que se esperava, ou espera.

Porém, a necessidade de preservar os laços essenciais que nos permitem pensar como uma nação soberana, com características históricas, culturais e económicas próprias, foi suficiente para todos, ou quase, fazer convergir na eleição do Estado como instrumento democrático e privilegiado de apoio à maioria dos cidadãos.

Até os mais liberais se vergaram à evidência das coisas, à necessidade da intervenção do Estado em áreas muito alargadas da economia e da vida quotidiana dos cidadãos.

Tal atitude de convergência tinha como primeira preocupação a salvaguarda da saúde e a da vida de todos e, não menos importante, como segunda preocupação, a defesa do trabalho e dos setores essenciais da economia, condições básicas para assegurar os cuidados sanitários exigidos.

Hoje, o cansaço provocado pelo agravamento da situação, o medo gerado pela inexistência de uma perspetiva acessível e imediata para conter e debelar a pandemia, começaram a gerar fenómenos de insatisfação social, de alguma raiva mal contida e, consequentemente, de algum nervosismo e desorientação política.

A vida de muita gente deteriorou-se gravemente em todos os sentidos e campos: na saúde, no trabalho, nos negócios, na escola, nos transportes, na família, enfim na realização da vida de cada um, encarada esta como um conjunto coerente de ação individual e coletiva, relacionamento social, amores, alegrias e tristezas.  

O clima que se está a gerar é, por isso, perigoso e pode motivar reações sociais imprevistas e desenquadradas de qualquer objetivo definido: reações que podem ir da desobediência civil simples ao desespero e à violência.

Nestas circunstâncias, haverá sempre quem se queira aproveitar politicamente desse clima; quem o deseje e o provoque até.

Isso só não terá consequências graves se as forças políticas e sociais do arco constitucional não condescenderem – como se começa a ver que pode acontecer– com ideais e comportamentos antidemocráticos, oportunistas e perigosos.

A unidade em torno do bem comum tem de assentar, pois, na defesa da Constituição e na plataforma política, jurídica, social e económica que ela estabelece. Ela é a verdadeira plataforma comum da nossa coexistência democrática e, assim, também, a fronteira que deve ser afirmada e defendida em todas as circunstâncias.

Fora dela, só pode haver lugar ao acentuar das injustiças gritantes – ainda existentes – e ao retrocesso na base dos direitos políticos, sociais e económicos que orientam, no essencial, a vida cívica do nosso país, desde a construção da democracia.

Se todos os que se reveem na Constituição conseguirem, portanto, ir adotando medidas com ela conformes, que não só assegurem a decência da vida presente da maioria dos portugueses, mas sirvam já de miradouro para um futuro mais solidário e justo, o oportunismo reacionário e violento não terá sucesso. 

Necessário, para isso, é que todos saibam distinguir o essencial do acessório e que todas as forças morais do país – nelas se integrando, necessariamente, por exemplo, as de inspiração religiosa e as que deveriam ser transmitidas pelas corporações profissionais – não se disputem em razão de preconceitos obsoletos, calculismos pessoais ou políticos de curto prazo, minudências distintivas e fúteis e se deixem por estas instrumentalizar, ou queiram, por essa via, instrumentalizar os cidadãos.

Não é o momento para isso: nunca o foi, nunca o será.

Por outro lado, é necessário, também, que o discurso mediático da intriga política verrinosa e circunstancial ceda, pelo menos agora, às exigências do momento, dando lugar a análises frias, desapaixonadas e objetivas da realidade que vivemos.

Só analisando com seriedade as questões fundamentais que hoje nos afligem, podemos ir ao encontro da raiz dos problemas, em busca de soluções de justiça e eficácia.

Só assim se encontrarão, simultaneamente, também, os consensos necessários às medidas que se têm de tomar hoje e que, seguramente, hão-de mudar várias vezes, conforme as circunstâncias da pandemia.

Só quem mais sofre os malefícios da crise está – injusta e sacrificadamente – em condições de compreender, aqui e agora, o que importa assegurar, quais os interesses imediatos a que atender, com a maior urgência e com todas as forças.