A covid está a mudar a nossa vida, todos o sabemos, e não contentes com isso, numa fase da vida que nos aconselha mais estabilidade e menos aventuras, eis que decidimos mudar da morada de várias décadas e mesmo sair da cidade, num futuro próximo.
A mudança de uma casa é sempre um momento de emoções várias. É o reencontro com objetos que não víamos há anos e que nos trazem memórias diversas. Constatamos que somos acumuladores de inutilidades que, em dada altura, acreditámos serem quase vitais. Conservamos memórias em cada livro, cada bibelô, cada disco que deixámos adormecer durante anos em estantes e gavetas.
Agora, ao redescobri-los, revivemos o momento da primeira leitura ou da descoberta numa montra, despertamos a emoção daqueles encontros. E assim nos vamos perdendo em divagações, pouco aconselháveis em dias de confusão, em que a casa vai perdendo pedaços da sua identidade até se tornar impessoal, pronta para mudar de família e iniciar um novo ciclo de vida.
Nestes dias de mudanças, damos mais valor e sobretudo mais atenção ao livro que reencontrámos ou ao objeto que até já considerávamos perdido, fechamo-nos na despedida das paredes que vão ficando cada vez mais nuas e quase esquecemos o mundo cá fora.
Apesar de tudo, entre o fecho de mais um caixote e o desmontar de um móvel, vamos acompanhando a evolução cada vez mais preocupante dos números de vítimas da pandemia, assim como a contagem dos votos das eleições presidenciais norte-americanas, com não menos preocupação.
Voltamos à faina da mudança, recordamos os inúmeros momentos de felicidade que a casa testemunhou, fazemos contas à vida e constatamos que ela, a vida, é a única corrida que fazemos com o desejo de nunca chegarmos à meta, sabendo, no entanto, que ela é inevitável.
Estamos, pois, em tempos de mudança. De mudanças pessoais, que só a nós interessam, mas a vivermos simultaneamente uma época de verdadeira revolução a vários níveis. Não é fácil apercebermo-nos dessas alterações radicais porque as vivemos dia a dia, mas, tal como a casa que se deixa e a que não se volta mais, preparamo-nos para um mundo diferente que cabe a nós e às gerações futuras tentarmos fazer que seja melhor.
Jornalista