Queijo suíço


Na imagem do assador ressalta evidente o perigo de algumas sardinhas fundamentais ficarem sem brasa.


Num momento em que, com a assinatura aposta à direita do arco da governação pelo Bloco de Esquerda, alguns compararam, com manifesto exagero, o Orçamento do Estado (OE) para 2021 ao tristemente famoso “Orçamento limiano”, socorro-me da metáfora láctea para exortar os envolvidos, e comprometer-me naquilo que é a minha quota de responsabilidade, a baterem-se para que o Orçamento nacional e o quadro “orçamental” plurianual da União Europeia, ambos em negociação na especialidade, determinem um caminho consistente, claro, mobilizador para a saída da crise, e não saiam da negociação em curso esburacados como um queijo suíço.

Não me refiro à célebre questão do buraco orçamental, ou seja, do défice estimado, que em tempos de pandemia tem uma flexibilidade e uma imprevisibilidade maior, mas à possível erupção de prioridades subfinanciadas em resultado da barganha negocial para garantir a viabilização democrática dos documentos.

Com a fragmentação política que caracteriza o nosso tempo, é natural o risco de que, nas disputas sobre a alocação de recursos escassos a fins alternativos, cada um queira puxar a brasa à sua sardinha. Nesta imagem do assador ressalta evidente o perigo de algumas sardinhas fundamentais ficarem sem brasa suficiente e o pitéu acabar meio cru e imprestável. Por isso, em cada exercício orçamental têm de ser bem claros o rumo, as sinergias, as linhas vermelhas e as bandeiras que virão a dar unidade e identidade ao processo político de execução.

No caso do financiamento da União Europeia quer para a recuperação, quer para a consolidação de uma nova capacidade estratégica e competitiva global, o cronómetro corre célere e é preciso passar depressa das proclamações e de alguns pensos rápidos que têm estancado parcialmente a hemorragia para um acordo interinstitucional robusto que não deixe o essencial a descoberto e sirva de impulso para um novo patamar de integração solidária.

A recuperação e a resiliência têm de resultar de uma aposta consistente na agenda social, na agenda do clima e na agenda digital. Estes são os motores necessários para impulsionar todos os outros processos de modernização, de resposta à crise e de reconexão dos cidadãos com o projeto europeu. A força motriz proveniente dos programas nacionais e dos programas comunitários tem de ser balanceada para assegurar equilíbrio, coerência e capacidade transformadora. Os princípios e os valores fundadores da parceria têm de ser respeitados.

Tem havido e continua a haver muita gente profundamente empenhada em conseguir um bom acordo em tempo útil. Acredito que teremos em breve fumo branco. O referencial estratégico para a década aprovado pelo Governo português é um bom exemplo de uma visão consistente e sem buracos negros que se possam antever.

Também as visões estratégicas aprovadas no plano europeu permitem uma rota de esperança e confiança, mas poderão falhar o alvo se os foguetões de lançamento, ainda que poderosos, forem esburacados pelo taticismo do momento, como se se tratasse de um queijo suíço. Isso não pode acontecer.

Eurodeputado