Adeus, geringonça


O voto do Bloco contra o Orçamento é o funeral de uma geringonça que já estava moribunda.


1. Como sempre aqui se escreveu, o Orçamento do Estado vai ser viabilizado pela esquerda, com uma margem curta mas que permitiu ao PSD votar contra. O Bloco decidiu excluir-se da solução e endureceu posições. O mais interessante deste processo é precisamente a radicalização do Bloco, que enterrou e fez o funeral de uma geringonça que já estava moribunda. O Bloco confirmou ser um partido extremista, demagógico, contrário à economia real e inimigo das empresas. Maoismos, marxismos, leninismos, trotskismos e outros anacronismos nunca deixaram de estar lá, apesar dos jeans americanos, dos ténis de marca e das convivências e misturas com a esquerda caviar intelectualizada. O voto do Bloco é um afastamento definitivo que António Costa não vai esquecer. No PS ficou patente que a interlocução preferencial com os bloquistas defendida por Pedro Nuno Santos e os seus apaniguados era, nesta fase, uma impossibilidade objetiva. O aspirante a líder ainda tem bastante a aprender no terreno. As birras de Catarina, das manas Mortágua, as suas exigências perigosas para a saúde dos portugueses (ao rejeitarem a articulação entre públicos e privados a preços justos) num tempo de pandemia não podiam ser todas aceites. Sendo errático, o OE representa, ainda assim, um exercício de equilíbrio que terá de ser revisto regularmente, dada a enorme instabilidade. Quem se disser de esquerda e votar contra o OE vai objetivamente aliar-se à direita. Ao escolher essa via, o Bloco volta a ser um mero partido de protesto de gente mimada, o que pode ter custos do ponto de vista eleitoral. Desde logo porque é suscetível de provocar uma alteração na simpatia dos média, normalmente recetivos e até subservientes em relação às teses bloquistas. Já o PCP pode beneficiar da sua maturidade, responsabilidade e profissionalismo, recuperando credibilidade e, eventualmente, implantação por via de uma sábia negociação com os socialistas.

2. Ao ler-se o Expresso ficou-se sem perceber se o PSD vota contra o Orçamento do Estado por convicção ou por um arrufo de prima-dona. Isto porque o líder parlamentar social-democrata, Adão Silva, dava a entender que o PSD poderia mudar o sentido de voto se o primeiro-ministro pedisse desculpa por ter dito há tempos que no dia em que precisasse do PSD acabava o Governo. Horas depois, o PSD tentava emendar a mão ao explicar que havia questões substanciais que levaram Rui Rio ao voto contra. Na política, os anos de permanência no Parlamento não contribuem forçosamente para transformar um deputado num líder de bancada eficiente, sobretudo numa altura tão dramática como a que vivemos.

3. As eleições nos Açores não trouxeram grandes surpresas, mas mudaram tudo na região. O PS perdeu a maioria absoluta. O PSD ganhou terreno. O PCP/CDU desapareceu do mapa. O CDS aguentou e é uma espécie de fiel de balança. O Bloco manteve. Apareceram a Iniciativa Liberal e, sobretudo, o Chega. Há uma bipolarização fragmentada esquerda-direita. Vai ser difícil formar um governo de um lado ou de outro. O ponto mais relevante é certamente o resultado do partido de André Ventura. Goste-se mais ou menos, o facto é que ali estão certamente votos de protesto de quem está farto de dar para os peditórios dos partidos tradicionais. O caminho para Ventura no Continente fica agora, eventualmente, mais fácil de explicar. Quanto à formação do novo governo regional, o PS tem a obrigação de ser o primeiro a tentar acordos. À direita, a tarefa parece mais difícil para o PSD, por causa da relação com o Chega e porque André Ventura quer discutir o assunto com Lisboa, exigência que Rio não pode aceitar.

4. Houve Fórmula 1 no Algarve. Podia ter sido uma grande montra da organização e métodos em Portugal. Foi exatamente o contrário: uma bandalheira pegada, como as televisões mostraram, embora a medo. Tratou-se de um potencial foco de transmissão do vírus num ajuntamento de 27 mil pessoas vindas de todo o mundo. E logo num dos momentos mais críticos da pandemia, perante a passividade das autoridades de saúde, obviamente condicionadas pelos interesses do chamado grande circo. No meio da confusão só apareceu a dar a cara às televisões um cavalheiro que parece ser o diretor do circuito de Portimão. Pelos vistos, aquilo é um enclave independente ao qual prestam serviço as forças policiais que todos pagamos. Além de não se respeitarem as regras de distanciamento, houve quem pagasse e não assistisse. Ao pé do Grande Prémio, Fátima e a Festa do Avante! foram “microeventos”.

5. Sem grande alarde, noticiou-se uma operação da justiça na APA, a Agência Portuguesa do Ambiente, e num determinado escritório de advogados. Estava em curso uma investigação ao parecer positivo dado pela agência à complexa adaptação do aeroporto do Montijo a voos civis. O tempo de pandemia recomenda, obviamente, que se repondere a solução Montijo, avançando-se para outra mais durável e menos sensível do ponto de vista ambiental, uma vez que não iremos voltar rapidamente a níveis de saturação turística. Talvez a Ota deva ser reequacionada, já que o TGV, que voltaram a prometer-nos há dias lá para 2041, vai passar ali perto, quando e se existir. Assim faziam-se as duas coisas ao mesmo tempo, com calma, com fiscalização e sem golpadas. Se é que tal é possível entre nós.

6. Urbanismos de Influência Portuguesa é o tema de uma exposição que está patente na sede da UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa) em Lisboa. Trata-se de uma parceria entre a UCCLA e a Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa. Quem se interesse pela presença portuguesa, pela qualidade e especificidade da nossa arquitetura e pelo planeamento rigoroso de meados do século passado não deve perder, existindo até um catálogo da exposição.

 

Escreve à quarta-feira