“Fratelli Tutti”. Uma carta de um “perigoso extremista de esquerda”


A chegada de Bergoglio ao Papado foi só por si um movimento de rutura na história recente da Igreja Católica, por várias razões.  Jesuíta, vindo do hemisfério sul e da América Latina e disposto a transformar o mundo católico, tornando-o mais próximo das palavras do Evangelho em detrimento da manutenção de um “status quo” bafiento…


Não obstante a Igreja Católica ser uma instituição de espiritualidade e aspiração metafísica continua a desempenhar um papel relevantíssimo neste mundo secular, quer pelos milhões de crentes no mundo, quer pelo enraizamento sociocultural na sociedade. Para o melhor e para o pior. Sendo a Igreja Católica uma organização de pessoas, também aí se revelam problemas de corrupção, abuso de poder, criminalidade de várias espécies, das quais a pedofilia assume particular destaque. Apesar disto, também discute o mundo e a sua evolução. É, precisamente, aqui que nos iremos concentrar.

Após um papado ultraconservador já neste século XXI, Francisco e o seu pensamento surgem como que um vendaval de realidade que irrompe pelas portas e janelas do Vaticano, deixando um sem número de católicos ultraconservadores sem saber o que dizer e que fazer após cada palavra, ação ou encíclica do Papa Francisco.

Foi assim com “Laudato Si”, com um lancinante apelo para a sustentabilidade ambiental do mundo em que habitamos, exortando a Humanidade para o combate às alterações climáticas, onde o antropocentrismo não pode estar dissociado do ecocentrismo e é assim, agora, com a recente encíclica “Fratelli Tutti”, onde Francisco, sem qualquer tibieza, faz uma excecional análise das causas dos problemas que atravessamos, tendo em conta o modelo económico em que vivemos.

Sem pejo, o Papa Francisco denuncia, entre outros, a cada vez maior acumulação de riqueza por um punhado de homens e mulheres que se consideram escolhidos, o aumento da desigualdade entre pessoas e povos derivado disso mesmo, a globalização e a propriedade, como as conhecemos. Denuncia o modelo económico dominante que aumenta a exploração do Homem pelo Homem, reduzindo custos laborais, que visa a maximização do lucro, que desregulou a economia transnacional e que os custos de tudo isso têm sido cada vez mais gravosos para a vivência em comunidade e atribui a tudo isto a causa do aumento dos ressentimentos, dos nacionalismos, da xenofobia e racismo que todos julgavam ultrapassados.

Se esta encíclica não fosse escrita por um Papa, quase que me atreveria a dizer que se tratava de um manifesto global de sociais-democratas e socialistas ou, até mesmo para alguns, de extremistas de esquerda.

Ciente que os olhos que lêem esta carta são determinantes para a interpretação que dela se faz, não consigo vislumbrar nenhum outro posicionamento que não o apelo feito, pelo líder de uma das maiores comunidades religiosas do mundo a exortar para que se abandone o modelo em que vivemos.

Esta visão, apresentada pelo Papa Francisco enquanto líder espiritual dos católicos, deixa, pois, em maus lençóis, muitos que identificando-se como católicos e usando esses pergaminhos se movem nas sociedades defendendo um mundo fechado sobre si próprio, avesso a mudanças, conservador numas coisas e ultraliberal na economia em que se aceita sem qualquer problema a exploração do próximo, a existência de elite informada, culta e educada sobre a massa ignorante e sem direitos e que convive bem com povos e nações de primeira, de segunda e terceira categoria. Diga-se, tudo ao contrário dos Evangelhos que defendem. Por isso, não será de estranhar o silêncio dos tradicionais comentadores defensores do conservadorismo católico na nossa praça, que ainda digerem esta encíclica como um soco no estômago.

Francisco defende a dignidade da pessoa e que essa dignidade só poderá subsistir com alteração do estado de coisas em que vivemos, mudando o modelo económico em que o primado da economia sobre a política terá de ser invertido e que, todos somos verdadeiramente irmãos, sendo imperioso que os governos dos homens e das nações tenham a coragem para mudar o estado de coisas.

A mundividência do Papa Francisco tem sido uma lufada de ar fresco, saibam os Católicos aproveitá-la para si e consigamos todos escutá-la com atenção.


“Fratelli Tutti”. Uma carta de um “perigoso extremista de esquerda”


A chegada de Bergoglio ao Papado foi só por si um movimento de rutura na história recente da Igreja Católica, por várias razões.  Jesuíta, vindo do hemisfério sul e da América Latina e disposto a transformar o mundo católico, tornando-o mais próximo das palavras do Evangelho em detrimento da manutenção de um “status quo” bafiento…


Não obstante a Igreja Católica ser uma instituição de espiritualidade e aspiração metafísica continua a desempenhar um papel relevantíssimo neste mundo secular, quer pelos milhões de crentes no mundo, quer pelo enraizamento sociocultural na sociedade. Para o melhor e para o pior. Sendo a Igreja Católica uma organização de pessoas, também aí se revelam problemas de corrupção, abuso de poder, criminalidade de várias espécies, das quais a pedofilia assume particular destaque. Apesar disto, também discute o mundo e a sua evolução. É, precisamente, aqui que nos iremos concentrar.

Após um papado ultraconservador já neste século XXI, Francisco e o seu pensamento surgem como que um vendaval de realidade que irrompe pelas portas e janelas do Vaticano, deixando um sem número de católicos ultraconservadores sem saber o que dizer e que fazer após cada palavra, ação ou encíclica do Papa Francisco.

Foi assim com “Laudato Si”, com um lancinante apelo para a sustentabilidade ambiental do mundo em que habitamos, exortando a Humanidade para o combate às alterações climáticas, onde o antropocentrismo não pode estar dissociado do ecocentrismo e é assim, agora, com a recente encíclica “Fratelli Tutti”, onde Francisco, sem qualquer tibieza, faz uma excecional análise das causas dos problemas que atravessamos, tendo em conta o modelo económico em que vivemos.

Sem pejo, o Papa Francisco denuncia, entre outros, a cada vez maior acumulação de riqueza por um punhado de homens e mulheres que se consideram escolhidos, o aumento da desigualdade entre pessoas e povos derivado disso mesmo, a globalização e a propriedade, como as conhecemos. Denuncia o modelo económico dominante que aumenta a exploração do Homem pelo Homem, reduzindo custos laborais, que visa a maximização do lucro, que desregulou a economia transnacional e que os custos de tudo isso têm sido cada vez mais gravosos para a vivência em comunidade e atribui a tudo isto a causa do aumento dos ressentimentos, dos nacionalismos, da xenofobia e racismo que todos julgavam ultrapassados.

Se esta encíclica não fosse escrita por um Papa, quase que me atreveria a dizer que se tratava de um manifesto global de sociais-democratas e socialistas ou, até mesmo para alguns, de extremistas de esquerda.

Ciente que os olhos que lêem esta carta são determinantes para a interpretação que dela se faz, não consigo vislumbrar nenhum outro posicionamento que não o apelo feito, pelo líder de uma das maiores comunidades religiosas do mundo a exortar para que se abandone o modelo em que vivemos.

Esta visão, apresentada pelo Papa Francisco enquanto líder espiritual dos católicos, deixa, pois, em maus lençóis, muitos que identificando-se como católicos e usando esses pergaminhos se movem nas sociedades defendendo um mundo fechado sobre si próprio, avesso a mudanças, conservador numas coisas e ultraliberal na economia em que se aceita sem qualquer problema a exploração do próximo, a existência de elite informada, culta e educada sobre a massa ignorante e sem direitos e que convive bem com povos e nações de primeira, de segunda e terceira categoria. Diga-se, tudo ao contrário dos Evangelhos que defendem. Por isso, não será de estranhar o silêncio dos tradicionais comentadores defensores do conservadorismo católico na nossa praça, que ainda digerem esta encíclica como um soco no estômago.

Francisco defende a dignidade da pessoa e que essa dignidade só poderá subsistir com alteração do estado de coisas em que vivemos, mudando o modelo económico em que o primado da economia sobre a política terá de ser invertido e que, todos somos verdadeiramente irmãos, sendo imperioso que os governos dos homens e das nações tenham a coragem para mudar o estado de coisas.

A mundividência do Papa Francisco tem sido uma lufada de ar fresco, saibam os Católicos aproveitá-la para si e consigamos todos escutá-la com atenção.