Um quarto minúsculo, uma mesa pequena, internet péssima e uma única sanita para um piso completo: é assim que Mariana Gomes, de 19 anos e estudante na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, relata ao i as condições sanitárias com que se deparou nos últimos dias. Infetada com covid-19 desde 12 de outubro, foi transferida na sexta-feira de uma residência dos Serviços de Ação Social daquela universidade para a Pousada da Juventude de Lisboa, devido a um surto de covid-19 noutra residência, mas aquilo que tem vivido diz ser “deplorável”.
“Encaminharam-me para o quarto mais pequeno desta pousada e colocaram mais três pessoas lá dentro que eu nem conhecia. Isto para fazer isolamento, comer, estudar, dormir e ter aulas. Um quarto minúsculo. Não tínhamos sítio onde arrumar as nossas malas nem sequer conseguíamos estar de pé. Tínhamos de estar pelos corredores e de porta aberta. Tínhamos uma mesa pequeníssima no quarto com uma cadeira. Sem condições para nada. Nem sequer para estar numa chamada Zoom por causa da internet”, começou por dizer, admitindo que está atualmente a faltar às aulas que são obrigatórias.
“Disseram que nos davam todas as condições na pousada. Mas não. Perguntei como é que eu tinha aulas, porque a minha avaliação é oral e sem essa avaliação não tenho notas e chumbo à cadeira. E disseram-me que podia sempre ir para o chão do corredor. Ficámos muito preocupadas com toda esta situação. Vimos os nossos direitos fundamentais serem violados”, reforçou, explicando até que chegou a contactar a Saúde 24, que lhe disse que as condições em que vivia eram “ilegais”.
Considerada uma pessoa de risco devido a vários problemas respiratórios, Mariana Gomes, depois de muitas tentativas para tentar resolver o problema – com a Comissão de Direitos da residência e os Serviços de Ação Social da universidade –, foi transferida no fim de semana para um quarto duplo. E é lá que está agora. Mas não chega, diz. “Eu e outra rapariga viemos para outro quarto, mas dissemos que esta não é a solução, porque sabemos que há quartos vazios na pousada. É em quartos individuais que se faz o isolamento. Estou a tentar tudo. Disse-lhes que era a segunda vez que contraía a covid-19 e que na primeira vez quase tinha estado numa cama de hospital. É a minha saúde que está em causa”, atirou, exigindo ainda que sejam tidas em conta as restrições alimentares.
“Eu e a rapariga com quem estou temos restrições. Somos intolerantes à lactose, e ela também ao glúten. E praticamente não jantamos, porque dão-nos quase sempre comida com glúten ou com lactose”, rematou.
De quem é a responsabilidade
Questionado pelo i, o administrador dos Serviços de Ação Social da Universidade de Lisboa, Carlos Mesquita, descartou responsabilidades e sublinhou que as condições atuais dos estudantes são aquelas que “a autoridade de saúde considera adequadas”, uma vez que foi garantido que as instalações disponibilizadas pela Câmara Municipal de Lisboa eram “adequadas para este efeito”. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, por seu turno, também confirmou ao i a transição para a Pousada da Juventude de Lisboa “de acordo com as orientações dadas pelas entidades de saúde”.
A Associação Académica de Lisboa apresentou, porém, uma nota de “repúdio” ao Serviço de Ação Social da Universidade de Lisboa, de modo a pedir justificações e também “soluções para que este problema não se repita ao longo da crise pandémica da covid-19”.
Sindicato alerta para problemas
De acordo com o presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior, Gonçalo Velho, estes problemas de alojamento para alunos universitários já se faziam prever, apontando, por isso, o dedo ao Governo.
“A manobra de propaganda do Governo não resultou. Como é óbvio, o problema do alojamento não está em nada resolvido. E os estudantes, sobretudo aqueles que são os mais frágeis e em piores situações económicas, vão estar duplamente expostos ao vírus. Acho que os portugueses não estão a ter consciência de como as populações universitárias poderão vir a ser um dos principais focos de surto. É urgente que se tome consciência”, refletiu, confessando ainda ao i que é preciso estar também de olhos postos nos professores.
“Neste momento, o perigo está cada vez mais a consciencializar a classe docente em relação à possibilidade de contágio, porque estes alunos estão a viver nestas condições e podem vir a trazer o contágio para dentro das salas de aula. Até que ponto é que os decentes estão a ter conhecimento dos casos positivos?”, questionou Gonçalo Velho.