O alerta para a coexistência sustentável das espécies


Pequenos caprichos, muitos deles inconscientes, levam à destruição do mundo não humano, colocando em risco a nossa própria sobrevivência.


Aos 94 anos, David Attenborough, o mais reconhecido naturalista britânico, abriu uma conta no Instagram e em apenas cinco horas alcançou um milhão de seguidores. Na origem desta iniciativa está a sua mais recente produção documental sobre a vida no nosso planeta, com o título original David Attenborough – a life on our planet. Apesar de ser uma produção exclusiva para a Netflix, o sucesso imediato deste trabalho é o corolário de uma vida dedicada à observação da natureza e à sua paixão pela história natural.

Foram seis décadas a viajar pelo mundo e a descobrir espécies desconhecidas dos telespetadores, para nos dar a conhecer as paisagens onde os animais selvagens viviam, as florestas tropicais que escondiam plantas e animais de uma beleza extraordinária, os oceanos com peixes coloridos e os recifes de corais deslumbrantes, os glaciares salpicados por pinguins, focas e outras espécies…

A sua experiência acumulada por milhares de horas de produção de documentários para a BBC, somada aos milhões de quilómetros que terá percorrido por esse mundo fora, desde os seus 20 anos, contribuiu para que se tornasse um dos interlocutores mais credíveis para falar sobre a biodiversidade e os efeitos da ação humana sobre a Terra.

A sua última produção é um alerta para aquilo que designa de “mau planeamento e erro humano” na gestão da convivência da nossa espécie com as restantes espécies que habitam o planeta. Todas as espécies dependem umas das outras, num equilíbrio perfeito que, uma vez desalinhado, levará ao seu extermínio, num efeito de dominó.

Ao longo do documentário são apresentados vários números que traduzem a evolução da população mundial, da quantidade de carbono na atmosfera e da percentagem de natureza selvagem que vai restando. A curva evolutiva da população mundial é proporcional à diminuição da percentagem de natureza selvagem, bem como acompanha o aumento da quantidade de carbono na atmosfera. Em 1937, a população mundial cifrava-se nos 2,3 mil milhões, registavam-se 280 partes por milhão de carbono na atmosfera e 66% de natureza selvagem remanescente. Quarenta e um anos depois, em 1978, a população mundial havia aumentado para 4,3 mil milhões e o carbono subiu para 335 partes por milhão, ao passo que a natureza selvagem remanescente diminuiu para 55%. Em 2020 somos 7,8 mil milhões e o carbono alcançou níveis de 415 partes por milhão, enquanto só temos 35% de natureza selvagem.

Durante 10 mil anos, a temperatura média não oscilou mais do que um grau Celsius. Contudo, desde que David Attenborough nasceu, a temperatura média já aumentou um grau Celsius; o gelo no Ártico reduziu-se 40% nos últimos 40 anos; chegámos ao ponto em que 15 mil milhões de árvores são abatidas todos os anos; metade dos solos férteis na Terra são utilizados para agricultura; 70% das aves do planeta são aves domésticas, na sua maioria galinhas; representamos mais de um terço de todos os mamíferos, os outros 60% são mamíferos que criamos para a nossa alimentação e os restantes 4% são mamíferos desde os pequenos ratos às gigantes baleias.

As projeções até 2100 não são animadoras: um aumento de 4 graus Celsius; o gelo do Ártico desaparecerá no verão, provocando o sobreaquecimento da atmosfera; com a devastação da floresta húmida da Amazónia, o ciclo da água global será alterado; ocorrerá libertação de metano com o descongelamento dos solos a norte; a acidez da água nos oceanos matará os recifes de corais; os solos deixarão de ser férteis e provocarão uma crise mundial na alimentação da população, que se prevê contar com 11 mil milhões de indivíduos.

Não há como ignorar estes números que se vão registando e descurar os sintomas de doença que a Terra nos vai transmitindo de dia para dia, através dos seus recursos naturais que se esgotam a um ritmo estonteante, tal como as espécies que são extintas pelo seu maior predador: o homem.

Em 2016, segundo os dados recolhidos pela Global Footprint Network, a pegada ecológica em Portugal (ativos ecológicos de que necessitamos para produzir os recursos naturais que consumimos) era de 4,1 hectares/capita e a nossa biocapacidade (recursos disponíveis) resumia-se a 1,3 ha/capita – um saldo negativo que alastrava por toda a Europa, como se pode comprovar nos números para o continente europeu: pegada ecológica de 4,56 ha/capita e biocapacidade de 3,09 ha/capita. Já na Ásia, a pegada ecológica encontrava-se nos 2,39 ha/capita e a biocapacidade nos 0,77 ha/capita. A nível mundial registavam-se 2,75 ha/capita na pegada ecológica e 1,63 ha/capita na biocapacidade. De 2016 para cá, a situação não melhorou, apesar de todos os alertas que têm vindo a ser feitos.

Não tem havido vontade política de contrariar esta tendência por razões que, à primeira vista, nos parecem razoáveis, sejam elas a manutenção de postos de trabalho, os custos onerosos associados às alterações nas indústrias e na agricultura, a importação de produtos que consideramos indispensáveis, etc. Mas, também, porque nós, consumidores, não temos manifestado interesse em alterar os nossos padrões de consumo. Importamos 73% dos alimentos que consumimos e desperdiçamos um milhão de toneladas de alimentos por ano – o que corresponde a 30% na nossa pegada ecológica. Que sentido faz chegar a uma prateleira de supermercado e comprar maçã de França ou carne do Uruguai quando temos produtores nacionais que não escoam os seus produtos para o mercado nacional? Porque insistimos em ter morangos à mesa em novembro quando estamos na época do dióspiro e da castanha?

Estes pequenos caprichos, muitos deles inconscientes, levam à destruição do mundo não humano, colocando em risco a nossa própria sobrevivência no futuro. Há que repor o equilíbrio e recuperar a biodiversidade que fomos eliminando com as nossas práticas, através de pequenas mudanças nas nossas escolhas, dando um exemplo de capacidade de consciência coletiva.

 

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